“Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito.” (Marcos 11:23)
Recentemente estive lendo o livro "2000 anos de cristianismo carismático" e dois relatos miraculosos me chamaram a atenção, escritos por Atanásio e Jerônimo, não tanto pelos relatos em si, mas sim em virtude dos argumentos bíblicos apresentados.

Atanásio (296–373 d.C.) foi um dos mais importantes teólogos e bispos da Igreja em seu tempo. Ficou conhecido pelo slogan “Atanásio contra o mundo”, pois, em diversas ocasiões, parecia ser uma voz solitária na defesa da verdadeira fé contra grandes oposições. Ele escreveu a obra Vida de Santo Antão, que você pode consultar clicando aqui.

Santo Antão (251–356 d.C.) foi um dos primeiros eremitas cristãos, dando origem ao movimento monástico. Relatos históricos afirmam que viveu até os 105 anos de idade, mantendo-se fisicamente forte até o fim: segundo Atanásio, seus olhos não perderam o fulgor e ele não perdeu sequer um dente.
Como eu disse, o que me chamou a atenção, neste caso, foi o fundamento bíblico que Atanásio apresenta para eles, especialmente na conclusão:
“Não deveríamos ser céticos diante de tão grandes milagres realizados por meio de um homem, pois esta é a promessa do Salvador: ‘Se tiverem fé, ainda que seja como um grão de mostarda, dirão a este monte: Passa-te daqui para lá, e ele passará; nada lhes será impossível’ (Mt 17,20). Também: ’Em verdade lhes digo: tudo o que pedirem ao Pai em meu Nome, Ele lhes dará… Peçam e receberão’ (Jo 16,23s). É Ele quem diz a seus discípulos e a todos os que n’Ele crêem: ‘Curem os enfermos, expulsem os demônios; de graça receberam, de graça devem dar’ (Mt 10,8).”

Assim como Elias teve Eliseu, Antão teve Hilarião como grande discípulo. Hilarião iniciou sua vida de eremita após visitar Antão no deserto e, como outros monges da época, também foi conhecido por realizar milagres. Conhecemos sua história através da obra Vida de São Hilarião [disponível neste link], escrita por São Jerônimo, mais conhecido por traduzir a Bíblia para o latim na famosa Vulgata.

Um dos trechos mais impressionantes dessa obra descreve:
“Naquela época, houve um terremoto em todo o mundo, após a morte de Juliano, que fez o mar transbordar e deixou navios presos nos penhascos das montanhas. […] Temendo que sua cidade fosse destruída, o povo de Epidauro recorreu a Hilarião, colocando-o na praia.
Depois de fazer o sinal da cruz três vezes sobre a areia, ele estendeu as mãos contra o mar. O mar rugiu, mas, como se estivesse contido por uma barreira invisível, recuou lentamente até seu nível normal. Epidauro e toda a região ao redor contam essa história até hoje, ensinando-a de geração em geração.”
Mais uma vez, chama a atenção o fundamento bíblico que Jerônimo aponta:
“Em verdade, aquilo que foi dito aos Apóstolos — ‘Se tiverdes fé, direis a esta montanha: Ergue-te e lança-te no mar’ — pode ser cumprido literalmente, desde que se tenha a fé que o Senhor ordenou. Pois que diferença faz se uma montanha sólida se move ao mar, ou se montanhas de água, que são fluidas, se tornam sólidas aos pés do velho Hilarião?”

Como contraponto, é preciso mencionar uma das obras mais influentes do cessacionismo, Milagres Falsificados, de B. B. Warfield (1851–1921), cujo objetivo é negar qualquer relato miraculoso após o período apostólico.
Segundo Warfield, a era dos grandes monges, como Antão e Hilarião, foi a era da multiplicação dos milagres:
“A credulidade do povo era ilimitada, e os relatos tornaram-se cada vez mais extravagantes. Esses milagres carecem da sobriedade, propósito e atestação divina dos milagres bíblicos, e se assemelham mais às práticas mágicas do mundo pagão.”
O interessante é que essa crítica moderna, que enfatiza o contexto literário e cultural da época, é ainda mais útil quando aplicada ao próprio crítico. Warfield viveu no auge do racionalismo protestante do século XIX, o que certamente influenciou sua desconfiança sistemática quanto a milagres extra-bíblicos.
Isso levanta uma questão fundamental: de que outra forma Atanásio e Jerônimo deveriam ter escrito seus relatos, para que fossem aceitos como verídicos pela crítica moderna? Se considerarmos, por hipótese, que o milagre atribuído a Hilarião realmente aconteceu, de que outra maneira ele poderia ter chegado até nós senão pelas mãos dos maiores eruditos cristãos da época?
A verdade é que, qualquer que fosse o método, Warfield provavelmente teria desqualificado o relato, simplesmente porque contrariava a sua tese cessacionista, modelada pelo racionalismo. Não vejo como um milagre tão impressionante como o de Hilarião poderia ter chegado até Warfield de forma que lhe parecesse crível.
Além disso, o fundamento invocado por Atanásio e Jerônimo são as próprias promessas explícitas de Jesus. Quando Jesus falou sobre a fé que move montanhas e sobre a realização de milagres em seu nome, Ele estava se referindo, claramente, a atos sobrenaturais — e não a meras metáforas.
Nesse sentido, Atanásio e Jerônimo permanecem mais fiéis às Escrituras do que Warfield, que reinterpretou e limitou essas promessas.
Por isso, prefiro acreditar na veracidade desses relatos miraculosos, na medida em que eles coincidem com a promessa bíblica e desde que estejam embasados nelas, muito mais do que na proposta de Warfield, que reduz esses testemunhos a meras ficções piedosas. Não vejo como promessas tão claras de Jesus possam ter validade apenas para o período apostólico, sem qualquer eco ao longo da história da Igreja.