Abraão prostrou-se, rosto em terra; riu-se e disse a si mesmo: “Poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho? Poderá Sara dar à luz aos noventa anos?”
Muitas pessoas gostam de justificar a própria incredulidade, apontando os momentos de dúvida dos grandes homens de Deus. Para essas pessoas, o versículo acima é um prato cheio, pois apresenta, expressamente, um momento de dúvida de Abraão. “Se o próprio Abraão, o pai da fé, teve seus momentos de dúvida, é normal nós também duvidarmos um pouco.” Ainda mais comum é dizer que Abraão tentou ajudar a Deus, quando teve um filho com a escrava Agar. Eu mesmo já disse isso mais de uma vez.
O apóstolo Paulo chama Ismael de filho da escrava. Eu ia um pouco além do que está escrito e dizia que Ismael era filho da incredulidade de Abraão, até o dia em que descobri algo básico, mas fundamental. Até o nascimento de Ismael, Deus ainda não tinha dito a Abraão que o seu herdeiro nasceria de Sara, nem que a esterilidade dela seria curada. Deus lhe tinha dito, na verdade: “Um filho gerado por você mesmo será o seu herdeiro.”
Ter um filho com a escrava era uma prática comum em várias culturas antigas, especialmente no Oriente Médio, como forma de garantir um herdeiro, particularmente em situações em que a esposa legítima não conseguia ter filhos. Então, não, embora Ismael seja filho da escrava, como bem apontado pelo apóstolo Paulo, ele não era filho da incredulidade, como mal apontado por mim.
Agora, o que dizer do versículo acima, o qual claramente aponta dúvidas de Abraão: “Poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho? Poderá Sara dar à luz aos noventa anos?” Estas são, de fato, dúvidas; isso não podemos negar. O fato de Abraão dizer isso a si mesmo, ou seja, em pensamento, e, o que é pior, rir por dentro, reforça ainda mais a sua aparente incredulidade.
A questão pode parecer resolvida, só que não. O principal complicador para essa conclusão está no que o apóstolo Paulo escreveu a respeito de Abraão: “Ele não duvidou com desconfiança da promessa de Deus.” O termo grego para “duvidar” — diekrithē — também significa “estar dividido” ou “hesitar”. Pelo contrário, o apóstolo escreve que Abraão ficou plenamente convicto, ou seja, totalmente convencido de que Deus era poderoso para cumprir o que havia prometido.
Isto parece contraditório, não? Aparentemente, não bate com o que acabamos de ler sobre Abraão em Gênesis. Para distensionar esta aparente contradição, precisamos ter em mente que duvidar, por si só, não é contrário à fé. Nós temos dúvidas o tempo todo. A dúvida que é pecado é aquela que duvida que Deus vai fazer o que prometeu.
Quanto a isso, o apóstolo é claro: Abraão não duvidou da promessa de Deus. Se Abraão não duvidou da promessa de Deus, que tipo de dúvida é essa que ele expressou? Vamos ao contexto. Como eu disse anteriormente, até o nascimento de Ismael, Abraão não sabia que o seu herdeiro nasceria de Sara. Deus lhe fez essa promessa cerca de treze anos depois, quando ele já tinha noventa e nove anos de idade.
Vejamos como a questão se deu:
“De agora em diante sua mulher já não se chamará Sarai; seu nome será Sara. Eu a abençoarei e também, por meio dela, darei a você um filho. Sim, eu a abençoarei, e dela procederão nações e reis de povos.” Abraão prostrou-se, rosto em terra; riu-se e disse a si mesmo: “Poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho? Poderá Sara dar à luz aos noventa anos?” Abraão disse a Deus: “Permite que Ismael seja o meu herdeiro!” Então Deus respondeu: “Na verdade, Sara, sua mulher, lhe dará um filho, e você lhe chamará Isaque […] filho que Sara lhe dará no ano que vem, por esta época.”
Note que Deus disse a Abraão que lhe daria um filho por meio de Sara, e ele foi surpreendido por essa promessa. Deus tinha guardado essa carta na manga até aquele momento. Nenhuma das promessas de Deus feitas até então se comparava àquela, em termos de impossibilidade.
“Poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho? Poderá Sara dar à luz aos noventa anos?”, perguntou-se Abraão. Repare que Abraão está questionando a si mesmo se essas coisas eram possíveis, não se Deus poderia fazer tais coisas. O riso, no caso, mostra, inclusive, que aquela era uma pergunta retórica. Ele sabia a resposta para aquelas perguntas: não, não é possível! Com essas palavras, na verdade, ele estava reconhecendo que o seu corpo já estava sem vitalidade e que o ventre de Sara estava, igualmente, sem vigor.
Não sou eu quem estou dizendo isso, foi o apóstolo Paulo: “Sem se enfraquecer na fé, reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vigor.” A maioria dos cristãos conhece esta passagem, prega sobre ela, mas pouco percebem que o apóstolo Paulo faz essa afirmação com base nas escrituras.
Em que momento Abraão “reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vigor”? Ora, é evidente que o apóstolo Paulo está falando aqui precisamente de quando Abraão pensou, retoricamente: “Poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho? Poderá Sara dar à luz aos noventa anos?”
Basta comparar ambos os textos para perceber o que estou dizendo. Está claro que quando Abraão pensou “poderá um homem de cem anos de idade gerar um filho?” ele estava reconhecendo “que o seu corpo já estava sem vitalidade”, e quando ele pensou “poderá Sara dar à luz aos noventa anos?” ele estava reconhecendo que “também o ventre de Sara já estava sem vigor”.
Há ainda mais elementos para fundamentar este ponto. O texto do apóstolo diz que Abraão “já contava cerca de cem anos de idade”, que era a idade que Abraão tinha — noventa e nove — quando Deus lhe prometeu um filho por meio de Isaque. Nesta fase da vida de Abraão, a esterilidade de Sara já nem era mais a questão. O ponto é que ela já tinha noventa anos e o seu ventre também já estava sem vigor.
O texto do apóstolo prossegue: “Mesmo assim não duvidou nem foi incrédulo em relação à promessa de Deus, mas foi fortalecido em sua fé, dando glória a Deus, estando plenamente convencido de que ele era poderoso para cumprir o que havia prometido.” Abraão foi fortalecido na fé “dando glória a Deus”, diz o apóstolo. Esta também não é uma informação aleatória e provém do mesmo texto que estamos analisando. “Abraão prostrou-se, rosto em terra”, diz o texto.
Note que Abraão creu na promessa como um ato de adoração a Deus, de submissão à sua vontade, e não porque era algo que ele queria ou fazia questão de receber. Para ele, bastaria que Deus lhe desse descendência por meio de Ismael, mas ele ajustou a sua vontade para conformá-la à vontade de Deus, manifesta na promessa. Ele faz isso com o rosto em terra, em condição de reverência e submissão e foi fortalecido na fé.
Você quer ser fortalecido na fé, como Abraão? Leia as promessas de Deus nas escrituras com o rosto em terra, em total submissão a Ele, reconhecendo que o que Deus prometeu nas escrituras é o que Ele quer para as nossas vidas. Comece a crer nas promessas não porque é o que você quer, mas porque é o que Deus quer para você. Quando você estiver convencido de que a promessa é o que Deus quer, e não o que você quer, será mais fácil conformar-se à vontade de Deus e confiar nele.
Abraão sabia que estava diante do “Deus que dá vida aos mortos e chama à existência coisas que não existem, como se existissem.” O Deus que tinha acabado de mudar o seu nome para Abraão, que significa “pai de uma grande nação”, e o de sua mulher para Sara, que significa “mãe de uma grande nação”. Deus lhe disse: “Sara, sua mulher, lhe dará um filho, e você lhe chamará Isaque”, e Abraão “não duvidou com incredulidade da promessa de Deus, mas foi fortalecido na fé.”
Segundo o apóstolo, com isso, Abraão se tornou mais do que um exemplo, ele se tornou o pai de todos aqueles que têm a fé que ele teve. Como está escrito: “Eu o constituí pai de muitas nações”. Na sua carta aos Gálatas, o apóstolo repete o mesmo ensino: “Considerem o exemplo de Abraão: ‘Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça’.”
Mais do que isso, o apóstolo deixa claro: “Assim, os que são da fé são abençoados junto com Abraão, homem de fé.” Quem são os que são abençoados junto com Abraão, ou com a mesma bênção de Abraão? Segundo o apóstolo, são “os que têm a fé que Abraão teve.” E qual foi a fé que Abraão teve? Abraão teve esta fé que “contra toda esperança, com esperança crê.”
É esta fé que não nega a realidade, antes, “sem se enfraquecer na fé, reconhece que o seu corpo já está sem vitalidade, pois já conta com cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já está sem vigor.” É esta fé que “mesmo assim, não duvida com incredulidade em relação à promessa de Deus”, mas que “é fortalecida dando glória a Deus, porque está plenamente convencida de que Deus é poderoso para cumprir o que prometeu.”
Acima de tudo, volto a destacar: é esta fé que não duvida, que não hesita nem fica dividida. O apóstolo Tiago descreve esta condição como dipsychos, isto é, duas mentes; ânimo dobre. O apóstolo é claro: “não pense tal pessoa [a que duvida] que receberá coisa alguma do Senhor.” Esta é uma outra prova de que Abraão não duvidou; outra prova de que ele não tinha a mente dividida, como algumas pessoas sugerem.
Devemos nos lembrar, também, que Hebreus 11 define a fé como a certeza do que se espera. Segundo o dicionário, a certeza é obtida por fatos ou razões que não deixam dúvida nem dão lugar a objeção. A certeza, conforme se vê, e totalmente incompatível com a dúvida. Quando duvidamos da promessa de alguém, fazemos desse alguém um mentiroso. O apóstolo João escreveu isso.
A conclusão do que falamos é que nós não temos o direito de duvidar, porque o mesmo Jesus que disse “tenham fé em Deus”, também disse “pare de duvidar”. Além disso, o Senhor coloca o não duvidar como condição para a fé eficaz: “Se vocês tiverem fé e não duvidarem”, diz ele. O apóstolo Tiago também ecoa o mesmo ensino: “Peça-a, porém, com fé, sem duvidar.” Que nós possamos seguir o exemplo do nosso pai Abraão, que não duvidou, nem foi incrédulo, com relação à promessa.