O conceito de fé (pistis) evolui ao longo do Novo Testamento, tornando desafiador formular uma definição única que contemple todas as suas nuances. Contudo, quando focamos nos evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas), a tarefa fica um pouco mais simples, pois percebemos um padrão claro no uso do termo por Jesus.
O ministério de Jesus começa com a pregação, pois ele foi enviado para isso. A essência de sua mensagem era: “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1:15). Esse chamado à fé no evangelho tinha como objetivo a justificação e a salvação das almas. Para fortalecer esse convite, os milagres que acompanhavam sua pregação desempenhavam um papel crucial: levar as pessoas a crer na mensagem e no Reino vindouro.
Curiosamente, ao iniciar sua pregação, Jesus não se apresenta explicitamente como o Rei desse Reino. Ao contrário, sua revelação ocorre gradativamente. Ele inicialmente aparece como um profeta poderoso — “Um grande profeta se levantou entre nós!” (Lc 7:16) — mas aos poucos demonstra ser mais que um profeta. Essa transição se dá não tanto por declarações diretas, mas por meio de ações que apontam para sua identidade única, como o perdão de pecados (Mc 2:5–7) e sua autoridade sobre o sábado (Mc 2:28).
Os milagres, nesse contexto, eram sinais que revelavam quem Jesus era. O impacto disso é refletido na pergunta: “Quando o Cristo vier, fará mais sinais do que os que este tem feito?” (Jo 7:31). Dessa forma, as obras de Jesus confirmavam sua autoridade divina, incentivando as pessoas a crerem, mesmo que inicialmente sua fé estivesse mais direcionada às bênçãos do que à sua pessoa.
Após a ressurreição, a revelação de Jesus como Rei do Reino se torna explícita. Ele declara: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mt 28:18), fundamentando a Grande Comissão e deixando claro que ele é o centro da fé. Assim, nos evangelhos sinópticos, vemos a fé progredindo de uma confiança em Deus para bênçãos específicas para uma compreensão mais profunda da identidade de Jesus como o Filho de Deus e o Rei prometido.
Este panorama nos ajuda a entender as citações de fé [pistis] atribuídas a Jesus nos sinóticos, onde a fé tem como alvo, na grande maioria dos casos, a cura ou, em menor número, alguma outra bênção divina. Por outro lado, o oposto também é verdadeiro. Essas citações nos ajudam a entender o que significa a fé em Deus, como aquele de quem vem todas as coisas, e em Cristo, por meio de quem recebemos todas as coisas.
No Reino de Deus, a justiça vem em primeiro lugar, mas as demais bênçãos também estão incluídas, como a provisão, a proteção e os milagres. Nesse sentido, crer em Jesus como Senhor e como aquele que perdoa pecados, mas não crer na provisão, na proteção ou nos milagres, aponta para uma crença equivocada. Crer em Deus, mas não crer em Sua provisão, faz de nós pessoas de pequena fé. A provisão, a proteção e os milagres são parte integrante do evangelho do Reino, não apenas sinais.
Nos sinóticos, a fé é avaliada mais pelo que consegue alcançar do que por uma compreensão correta de quem Jesus é. Mateus apresenta o relato sobre dois cegos que vieram até Jesus gritando “Tenha misericórdia de nós, Filho de Davi!”, o que mostrava uma compreensão bem evoluída de quem Jesus era: o Messias prometido. Todavia, em vez de parabenizá-los, Jesus lhes perguntou: “Vocês creem que eu posso fazer isso?” Se eles creem que Jesus é o Filho de Davi, devem igualmente crer que Ele irá ter misericórdia deles e curá-los.
De igual modo, a fé do centurião romano, que tanto impressionou a Jesus, era uma fé muito mais na autoridade de Jesus do que em uma compreensão teológica precisa de quem Ele era. De que adianta crer que Jesus é o Senhor dos Senhores, o Filho do Deus vivo, mas não crer n’Ele para a cura nem mesmo de uma gripe? Jesus não se fia do homem que escreve maravilhas sobre quem Ele é, nem daquele que discorre perfeitamente sobre o que Ele é capaz, porque muitas vezes a incredulidade se esconde por trás do elogio.
Os ensinamentos de Jesus mais diretos sobre a fé — no sermão do monte; ao Pedro andar sobre as águas; ao acalmar a tempestade; ao secar a figueira; ao não conseguirem expulsar o demônio do menino — nos mostram Jesus ensinando, de modo prático, como mover-se sobrenaturalmente no Reino de Deus, por meio da fé. Sobre como exercer a autoridade sobrenatural, sobre como alcançar o resultado das orações e sobre como ser eficaz no ministério. A vida no Reino deveria ser vivida pela fé.
Quando Jesus fala sobre a fé, nos evangelhos sinóticos, Ele não fala sobre uma questão teórica ou intelectual, mas prática e vivencial. Ela é exercida no momento em que alguém age com base na confiança em Deus, em Sua palavra e em Sua vontade. Em cada uma das situações em que Jesus aborda a fé, Ele mostra que a verdadeira fé não é apenas crer nas verdades sobre Ele, mas confiar que Ele pode agir poderosamente em nossa vida, curando, transformando e nos capacitando a fazer o que Ele manda.