Se podes

January 6, 2025

Se podes alguma coisa, tenha compaixão de nós e ajude-nos.” “Se podes?”, disse Jesus. “Tudo é possível àquele que crê.” Imediatamente o pai do menino exclamou: “Creio! Ajuda-me na minha incredulidade!”

Aqui temos um pai desesperado com um filho epiléptico, que os discípulos não tinham conseguido curar. Quando Jesus entra em cena, este homem vai até Ele e diz estas palavras: “Se podes alguma coisa, tenha compaixão de nós.” Com muita estranheza, o Mestre repete a frase condicional: “Se podes?” Esta frase é justificada no texto, pois os discípulos, anteriormente, não tinham conseguido curar o menino. Por isso, ele pergunta a Jesus se Ele podia. A escolha de palavras revela a frustração daquele pai com os discípulos, por terem falhado em ajudá-lo.

De fato, os discípulos tinham falhado, mas o homem não estava certo em atribuir a culpa apenas a eles. Uma série de fatores tinha contribuído para o fracasso anterior, inclusive a falta de fé daquele homem. Sua situação desesperadora não o isentava de responsabilidade. “Tudo é possível àquele que crê,” disse Jesus, em resposta ao “se podes.” Tudo era possível àquele pai, se ele cresse. A questão não era se os discípulos poderiam libertar o seu filho, nem se Jesus poderia libertá-lo, mas se ele próprio poderia fazê-lo, pela fé.

Isso pode soar estranho, mas não deveria, porque, em mais de uma ocasião, Jesus disse: “A tua fé te curou.” Uma das pessoas a quem Jesus disse essas palavras foi à mulher com hemorragia. Ela creu que, com apenas um toque em Jesus, ficaria curada, e foi o que aconteceu, porque “tudo é possível ao que crê.”

“Tudo é possível ao que crê,” assim como “a tua fé te curou,” não significa que aquele homem podia curar o seu filho, no sentido de ministrar a cura sobre ele. Significa que a cura do menino estava ao alcance da sua fé. De repente, todo o peso da responsabilidade foi colocado sobre os ombros daquele pai por Jesus. Chorando, aquele homem respondeu: “Creio! Ajuda a minha incredulidade.”

O comentário Beacon ressalta o seguinte sobre a resposta do pai do menino: “Talvez reagindo ao desafio de Jesus, o pai imediatamente proferiu uma confissão sobre sua paradoxal condição.” Este comentário sugere que o homem provavelmente estava reagindo ao desafio de Jesus. Jesus disse “tudo é possível ao que crê,” e ele respondeu: “Eu creio.”

Na verdade, o desafio de Jesus começa um pouco antes, com o “se podes?” Ao dizer “se podes?” Jesus claramente recriminou a escolha de palavras daquele homem, por estarem permeadas de incredulidade. O pai do menino percebeu que começou com o pé esquerdo, ouviu a repreensão de Jesus e retificou as suas palavras, trocando o “se podes” por “eu creio”; trocando sua confissão de incredulidade por uma nova confissão de fé. Se “tudo é possível ao que crê,” então “eu creio.”

Ao dizer “creio,” o homem notavelmente estava alinhando as suas palavras ao ensino de Jesus. Ele disse “creio” para, logo em seguida, reconhecer que ainda havia incredulidade em seu interior e pedir a ajuda de Cristo. O apóstolo Tiago, mais tarde, descreveria esta condição como dipsichos (duas mentes: uma que crê, outra que duvida). Uma parte daquele pai cria, enquanto a outra duvidava. Uma coisa era certa: a fé demonstrada por aquele homem, com aquelas palavras, não era a fé que tudo pode. Tiago escreveu que a pessoa que tem essa fé que duvida não deve esperar receber nada da parte do Senhor.

É certo, contudo, que, ato contínuo, o pai do menino alcançou a fé necessária para a cura do seu filho. Em algum momento, portanto, o “creio” que ele disse passou a condizer com o estado de fé do seu coração. O ponto aqui é que a confissão de fé “creio” veio antes da fé no seu coração. Ou, pelo menos, veio antes da fé plena ou da fé eficaz. Repare que o seu processo de transformação começou pela confissão com os lábios, e não o contrário.

Eu mesmo já relutei em crer nisso, porque a Bíblia diz: “Cri, por isso falei.” Ou seja, a fé no coração vem primeiro, e a confissão com os lábios vem depois, porque “a boca fala do que o coração está cheio,” e não o contrário. Pensando melhor a respeito, agora, chego à conclusão de que uma coisa não exclui a outra. No caso do pai do menino endemoniado, por exemplo, a máxima de que a boca fala do que o coração está cheio se mostrou verdadeira quando ele disse “se podes,” revelando toda a incredulidade que havia no seu coração.

Todavia, Cristo parece chamá-lo a mudar as suas palavras antes mesmo do seu coração mudar, como se a transformação acontecesse de fora para dentro. O que há no coração afeta o que falamos, mas o que falamos também afeta o coração. Eu pensava que a confissão de fé para salvação vir antes do “crer no coração,” em Romanos 10, fosse apenas acidental, como colocar o carro na frente dos bois, mas hoje vejo que não é bem assim.

O apóstolo Paulo fundamentou o seu ensino sobre a confissão de fé para salvação em dois textos bíblicos: o primeiro de Moisés, que disse: “A palavra está na sua boca e no seu coração”; e o segundo do profeta Joel, que disse: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” No texto de Moisés, a palavra está primeiro na boca, para depois estar no coração. Ou seja, a confissão vem primeiro; o crer no coração, depois. No texto de Joel, apenas a confissão aparece.

Em 1 Coríntios 12, mais uma vez a confissão de fé recebe destaque: “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo,” escreveu o apóstolo Paulo. Em sentido positivo, o que esse texto diz é que nós confessamos o que a Bíblia ensina pelo Espírito Santo. O pai do menino confessou “creio” pelo Espírito Santo, e o mesmo Espírito cuidou de infundir fé no seu coração. A brasa viva tocou primeiro os seus lábios! O comentarista Adolph Pohl escreveu que foi um “grito de origem espiritual.”

Com este episódio aprendemos que ainda que a nossa realidade interior seja, muitas vezes, de incredulidade, podemos começar a declarar a palavra de Deus com nossos lábios. Podemos dizer "eu creio" ainda que hajam dúvidas em nosso interior. Podemos declarar a palavra de Deus, pelo Espírito Santo, e esse mesmo Espírito vai mudar a realidade no nosso interior. A confissão de fé é o caminho para a salvação.