Desmistificando o deserto
Precisamos desmistificar o tempo que Israel passou no deserto, como se fosse um tempo de “preparação para a benção” (que crente nunca ouviu isso?), porque não foi para esse propósito que Israel peregrinou quarenta anos no deserto.
Deus libertou Israel do cativeiro do Egito, fez uma pausa de cerca de um ano em Horebe, para dar-lhes os dez mandamentos e organiza-lós como nação, e então prontamente os conduziu para a terra prometida. Moisés lhes disse: “Vejam, o Senhor, o seu Deus, põe diante de vocês esta terra. Subam e tomem posse dela.”
Em vez de fazerem o que Deus mandou, eles quiseram, antes, enviar espias. No livro de Números, a ideia parece ter partido de Deus: O Senhor disse a Moisés: “Envie alguns homens para explorar a terra de Canaã, que eu estou dando aos israelitas.” Todavia, no livro de Deuteronômio, Moisés escreveu: “Então todos vocês vieram a mim e disseram: ‘Vamos enviar alguns homens à nossa frente para que espiem a terra.”
Conciliando os relatos, os textos sugerem que a ideia partiu dos Israelitas e, posteriormente, Deus deu o seu aval e organizou a expedição. Não creio que o aval de Deus signifique aprovação, neste caso. Acho que foi o contrário, até porque Deus os condenou a vagarem pelo deserto um ano para cada dia que observaram a terra.
Isto porque, como sabemos, diante do relatório negativo dos espias, eles se recusaram a tomar posse da terra. Como resultado, o Senhor os condenou a morrer no deserto: “Nenhum de vocês entrará na terra que, com a mão levantada, jurei dar‑lhes para a sua habitação [exceto Calebe e Josué]”.
Mas o Senhor não tinha prometido ao próprio Abraão dar a terra aos seus descendentes? Sim, mas havia outras formas de cumprir a promessa, excluindo aquela geração. Deus disse aos hebreus: “Quanto aos seus filhos […]eu os farei entrar para desfrutarem a terra que vocês rejeitaram.” Era isso. Os israelitas tinha rejeitado a terra por medo e incredulidade. Como resultado, eles vagariam no deserto até que o último deles morressem.
Deste modo, o deserto teve dois objetivos principais: primeiro, permitir a morte de todos os israelitas que saíram do Egito com mais de vinte anos; e, segundo, permitir o crescimento de todos os que saíram do Egito com menos de vinte anos.
Repare que os que saíram do Egito com vinte anos morreram cedo, por volta dos sessenta anos. De igual modo, repare que não entrou ninguém com mais de sessenta anos na terra prometida, com exceção de Josué e Calebe. O mais interessante disso tudo é que, enquanto os israelitas estavam morrendo aos sessenta, Calebe, aos oitenta anos, ainda tinha o vigor dos quarenta.
Era justo que fosse assim, uma vez que ele teve que esperar quarenta anos, por um erro dos outros. Essa era outra característica daquele deserto. O Senhor dissera à nação: “Os seus filhos serão pastores no deserto durante quarenta anos, sofrendo pela infidelidade de vocês”. As consequências do pecado deles afetaram Josué, Calebe e todos os seus filhos, obrigando-os a esperar por quarenta anos no deserto.
Isto nos mostra que o deserto não era para Josué, não era para Calebe e não era para nenhuma daquelas crianças e jovens. É claro que Deus usou o deserto para forjar aquela nova geração, mas isso foi como fazer do limão uma limonada. Mais do que um tempo de preparação, o deserto foi um tempo de juízo e condenação.
Acima de tudo, o deserto foi um castigo pela falta de fé e, consequentemente, pela desobediência de uma nação. Foi, também, o resultado de uma escolha, porque foram eles que, por medo, escolheram ficar no deserto, em vez de tomarem posse da terra. Por essa razão, o deserto não é algo a ser romantizado. Não é algo a ser tornado regra, como se antes de toda terra prometida, nos aguardasse um deserto da preparação.