Os milagres tendem a acontecer em lugares longínquos, geralmente onde o evangelho está chegando pela primeira vez. Com base nisso, algumas pessoas dizem que é porque a função dos milagres é atestar o evangelho nesses lugares. Convenhamos que há uma certa nobreza em dizer que Deus não precisa realizar milagres em nosso meio, porque nós cristãos já cremos nele, contudo, temo que esse argumento não seja bíblico. Do mesmo jeito, temo que a nossa motivação não seja assim tão nobre.
Não creio que isso seja bíblico, primeiro porque os dons do Espírito – entre eles milagres e cura – são para edificação da igreja. Segundo, porque, na carta de Tiago, as curas ministradas pelos presbíteros são para os crentes. Se não é por aí, então como explicar à luz das escrituras a falta de milagres onde a igreja está bem estabelecida? O mais perto de uma resposta que eu encontro para essa pergunta não nos favorece nem um pouco.
“Em verdade lhes digo que nenhum profeta é aceito na sua própria terra”, disse Jesus. O que isso tem a ver com o que estamos falando? Tem tudo a ver, se levarmos em conta os exemplos apresentados por Jesus na sequência: “Asseguro a vocês que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu foi fechado por três anos e meio, de maneira que houve uma grande fome em toda a terra. Contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, senão a uma viúva de Sarepta, na região de Sidom.”
Porque as muitas viúvas que estavam passando fome em Israel não receberam a provisão milagrosa? Se fosse hoje, a resposta seria: é porque não era a vontade de Deus [tanto que o texto diz que Elias foi “enviado” a ela]. Esta resposta aparentemente piedosa não está errada, mas está incompleta, porque, segundo Jesus, Deus mandou o profeta a essa viúva em particular, e não às viúvas de Israel, por um motivo: era porque em Israel o profeta não era recebido como profeta. A resposta de Jesus mostra que era sim a vontade de Deus realizar milagres em Israel - e ele teria mandado o profeta até lá, ou levantado novos profetas, se fosse o caso -, mas ele não pôde fazê-lo porque os seus enviados eram melhor recebidos no estrangeiro, do que em sua própria terra.
Jesus apresentou mais um exemplo, igualmente contundente: “Também havia muitos leprosos em Israel no tempo de Eliseu, o profeta, e nenhum deles foi purificado, a não ser Naamã, o sírio.” Mais uma vez, porque os muitos leprosos que haviam em Israel não foram curados, como o sírio Naamã? Segundo Jesus, é porque o profeta de Deus não era recebido como tal, em Israel. Tivessem recebido o profeta como profeta, os milagres teriam acontecido também em Israel, mas não basta apenas receber bem o profeta, temos que receber o profeta como profeta.
Não se trata de oferecer um lugar de honra, fazer um churrasco e dar tapinhas nas costas; trata-se de receber a palavra do profeta como palavra de Deus. Não se trata de honrar o vaso, mas o conteúdo do vaso. O apóstolo Paulo escreveu sobre isso em sua carta aos tessalonissenses: “Ao receberem a palavra de Deus, que ouviram de nós, vocês a aceitaram, não como palavra de homens, mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus que atua com eficácia em vocês, os que creem.” Esse é o tipo de honra que agrada a Deus, mas, por alguma razão, quanto mais as pessoas conhecem o profeta, menos elas crêem na mensagem do profeta.
Jesus disse essas palavras depois de ter sido rejeitado em Nazaré. No caso de Jesus, não é que ele não tenha sido bem recebido entre os seus. Pelo contrário, condecederam-lhe a honra de ler as escrituras na sinagoga. Jesus leu a profecia do profeta Isaías que prenuncia o ano da graça de Deus e todo deram glória [creio]. O problema começou quando Jesus disse: “Hoje se cumpriu a palavra que vocês acabaram de ouvir!” É interessante. As pessoas criam nas promessas, louvavam a Deus por elas, mas não aceitaram o seu cumprimento. Por que não? Porque não viam como o filho do carpinteiro, que cresceu entre eles, poderia ser o Messias. Um desconhecido teria tido melhor sorte.
Estava acontecendo com Jesus, mas já tinha acontecido antes com Elias e Eliseu. Jesus disse que ele tinha sido enviado às ovelhas perdidas de Israel, mas a verdade é que Elias, Eliseu também foram enviados às ovelhas perdidas de Israel. Os milagres eram para eles, não para a viúva de Sarepta; não para Naamã, o sírio; não para o centurião romano; e não para a mulher sírio fenícia. “Não é certo tirar do pão dos filhos para dar aos cachorrinhos”, disse Jesus. Os milagres eram para os filhos judeus, não para os cachorros gentios. A questão é que os gentios e pagãos estavam passando os judeus para trás, porque valorizavam o profeta como profeta.
“Diga apenas uma palavra e meu servo ficará curado, porque não sou digno do Senhor entrar na minha casa”, disse o centurião. “Até os cachorros comem das migalhas que caem da mesa do seu Senhor” disse a mulher sírio fenícia. Jesus ficava impressionado com isso. A respeito do centurião romano ele disse: em todo Israel, não encontrei tamanha fé. Jesus foi bem claro com os judeus, quanto a isso: “Os publicanos e prostitutas estão entrando antes de vocês no Reino de Deus”. Em outras palavras: abram os olhos! A mesa está posta para vocês, mas se vocês não aceitarem, o convite será estendido a todos. Esta é a última oportunidade de vocês!
Vocês que matam os seus profetas; agora Deus lhes envia o seu próprio filho… e vocês também o matarão! “Portanto [de antemão], eu digo que o reino de Deus será tirado de vocês e entregue a um povo que dê os frutos do reino.” Isso de fato aconteceu, como Jesus previu. Assim está escrito no evangelho de João: “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Contudo, aos que o receberam, aos que creem no seu nome, deu‑lhes a autoridade de se tornarem filhos de Deus.”
Fomos adotados como filhos, porque os filhos legítimos não receberam os profetas como profetas, nem o Messias como Messias. Agora, tudo é nosso em Cristo. O pão dos filhos, isto é, os milagres, agora pertencem a nós, porque nós somos os filhos. Foi por nós que Cristo morreu, foram as nossas doenças que ele carregou. Desde que, é claro, nós o recebamos. Isso inclui receber aqueles que ele enviou: “Quem recebe vocês a mim recebe; e quem recebe a mim recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta como profeta receberá a recompensa de profeta.”
Quando você rejeita o enviado, como enviado, você rejeita aquele que o enviou e incorre no mesmo erro dos judeus. Logo, você não pode reclamar se os milagres estão acontecendo em lugares distantes, onde o evangelho está sendo pregado para pessoas que não conhecem a Cristo. De certo é porque essas pessoas são como Naamã, ou como a viúva de sarepta, ou como o centurião romano, ou como a mulher sírio fenícia. Ou seja, elas estão recebendo os profetas como profeta, porque o profeta não tem honra na sua própria casa. De certa forma, nós nos colocamos na posição que era dos judeus, mas não aprendemos com os erros deles.
Por último, algo escrito pelo apóstolo Paulo, que creio que se aplica aqui:
“Então, você dirá: “Os ramos foram cortados para que eu fosse enxertado”. Está certo. Eles, porém, foram cortados por causa da incredulidade, e você permanece pela fé. Não se orgulhe, mas tema. Pois, se Deus não poupou os ramos naturais, também não poupará você.”