As promessas de Deus

October 8, 2024

Extraído do livro de Pink, A.W. Porque Eu Deixei de Ser Dispensacionalista: Uma Refutação Bíblica dos Erros Dispensacionalista.

"Existem dezenas de milhares na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos que dizem o seguinte sobre grandes porções da Palavra de Deus: “Isso não é para mim; isso pertence aos judeus; isso não se refere à presente dispensação, aquilo diz respeito aos que estarão na terra durante a grande tribulação ou no milênio”. E assim as suas almas ficam privadas do valor atual de muito do que o próprio Deus declara expressamente ser “proveitoso” para nós (2 Timóteo 3:16).

Alguns de nossos leitores podem ficar surpresos quando dizemos que limitar tanto da Palavra de Deus aos judeus é uma mentira antiga provindo do Diabo, porém vestida com uma nova roupagem. No entanto, é isso que acontece. Ninguém deveria se surpreender com essa declaração, pois as Escrituras ensinam que “não há nada de novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1:9). Duzentos e cinquenta anos atrás, em sua obra, “The Doctrine of the Saints’ Perseverance explained and confirmed” [A doutrina da perseverança dos santos explicada e confirmada], John Owen[1] escreveu:

Alguns se esforçam muito para roubar dos crentes o consolo destinado a eles que está contido nas promessas evangélicas do Antigo Testamento. Embora tais promessas tenham sido feitas geralmente levando em conta a igreja, eles afirmam que elas foram feitas aos judeus e somente a eles e que, portanto, agora essas promessas não pertencem a nós.

Há mais de trezentos anos, quando os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra (a “Igreja Episcopal”) foram redigidos, o Sétimo Artigo dizia o seguinte:

O Antigo Testamento não é contrário ao Novo; porquanto em ambos, tanto no Antigo como no Novo, se oferece a vida eterna ao gênero humano, por intervenção de Cristo, que é o único Mediador entre Deus e o homem, sendo ele mesmo Deus e homem. Portanto, não devem ser ouvidos os que afirmam que os antigos pais só esperavam promessas transitórias

Há quase quatrocentos anos, Calvino,[2] em suas “Institutas”, começou o seu capítulo sobre “A Similaridade entre o Antigo e o Novo Testamento” dizendo:

A partir das observações anteriores, pode-se agora evidenciar que todas aquelas pessoas, desde o começo do mundo, a quem Deus adotou na comunhão do seu povo, foram unidas federalmente com ele pela mesma lei e pela mesma doutrina que estão em vigor entre nós: mas porque não é de pouca importância que esse ponto seja estabelecido, mostrarei, tal qual um apêndice, uma vez que os pais eram participantes conosco da mesma herança e esperavam a mesma salvação pela graça do nosso Mediador comum, até que ponto a sua condição a esse respeito era diferente da nossa. Pois, embora os testemunhos que reunimos a partir da lei e dos profetas como prova disso tornem suficientemente evidente que o povo de Deus nunca teve nenhuma outra regra de religião e de piedade, contudo, porque alguns escritores levantaram muitas disputas sobre a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento, que podem suscitar dúvidas na mente de um leitor pouco perspicaz, destinaremos um capítulo específico para uma discussão maior e mais precisa sobre esse assunto.
Além disso, o que de outra forma teria sido muito útil, agora se tornou necessário para nós dada a monstruosidade de Serveto e alguns insensatos da seita dos anabatistas, que consideram o povo de Israel como nada mais do que um rebanho de porcos e zombam dele como se tivesse sido cevado pelo Senhor neste mundo sem a menor esperança de uma imortalidade futura, no céu.

Uma simples declaração da Sagrada Escritura possui um valor infinitamente maior do que todos os raciocínios vãos de homens carnais. Essa é a declaração que temos sobre as promessas de Deus em 2 Coríntios 1:20: “Porque todas as promessas de Deus têm nele o ‘sim’. Por isso, também por meio dele diz o ‘amém’ para glória de Deus, por meio de nós”. A linha de raciocínio no contexto pode ser entendida facilmente. Em primeiro lugar, o apóstolo pretendia fazer uma segunda visita aos coríntios (vv. 15–16), mas foi providencialmente impedido (vv. 8–10). Em segundo lugar, sabendo que os seus inimigos provavelmente usariam a sua demora como uma provocação de que ele ignorava a mente do Senhor e era inconstante no cumprimento de sua palavra, o apóstolo antecipa essa acusação (vv. 17–18) — havia razões piedosas para isso. Paulo havia adiado a viagem até eles que lhes prometera fazer. Em terceiro lugar, se isso satisfez os coríntios ou não, algo não pode ser negado, a saber, que não havia incerteza sobre sua pregação: o apóstolo havia proclamado Jesus Cristo de maneira clara e positiva entre eles (v. 19).

Tendo lembrado aos coríntios que a mensagem que ele havia transmitido aos ouvidos deles em sua primeira visita era invariável e constante (2 Coríntios 1:19), o apóstolo agora deu prova de sua afirmação: Cristo era a soma e a substância de sua pregação: ele se propôs a não saber nada entre eles senão Jesus Cristo e este crucificado (veja 1 Coríntios 2:2), e uma vez que o próprio Cristo é sempre “sim” ou imutável, então a sua mensagem sempre foi “sim” ou a mesma. A maneira pela qual ele agora forneceu prova disso foi afirmando: “Porque todas as promessas de Deus têm nele [ou seja, em Cristo] o ‘sim’”. Por isso, também por meio dele [de Cristo] se diz o ‘amém’”. Portanto, Cristo não pode ser “sim e não”. O significado claro de 2 Coríntios 1:20 é o seguinte: as promessas que Deus deu ao seu povo são absolutamente confiáveis, pois foram feitas a eles em Cristo; é uma certeza plena que elas serão cumpridas, pois são realizadas em Cristo.

  1. Uma vez que a queda separou a criatura do Criador, não poderia haver relação entre Deus e o homem, a não ser que Deus condescendesse em fazer uma promessa ao homem. Ninguém pode solicitar algo da Majestade nas alturas sem que haja uma autorização da parte dele e nem a consciência poderia ficar em paz a menos que tivesse uma promessa divina como fundamento de sua esperança em Deus.
  2. Deus fará com que o seu povo seja governado por promessas em todas as épocas, com o objetivo de exercitar neles a fé, a esperança, a oração e a dependência dele mesmo. Deus nos dá promessas para testar se confiamos nele ou não.
  3. A base das promessas é o Mediador Deus-homem, Jesus Cristo, pois todas as relações entre Deus e nós só podem ocorrer por meio do Mediador que ele designou. Cristo deve receber todos os benefícios para nós e nós os recebemos através dele. Portanto, “todas as promessas de Deus têm nele [em Cristo] o ‘sim’”.

(1.) O cristão deve estar sempre atento para jamais contemplar qualquer promessa de Deus à parte de Cristo, seja a coisa prometida ou a bênção desejada, seja temporal ou espiritual, não podemos desfrutá-la de maneira legítima e verdadeira exceto em e por meio de Cristo. Portanto, Paulo lembrou aos gálatas: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: ‘e aos descendentes’, como falando de muitos, porém como falando de um só: ‘e ao seu descendente’, que é Cristo” (3:16). Se Deus quiser, falaremos mais sobre isso posteriormente. Todas as promessas de benefícios para nós são feitas para Cristo, o Fiador da aliança eterna, e são transmitidas por Cristo para nós — tanto as promessas quanto as coisas prometidas. “Esta é a promessa [completamente inclusiva] que ele nos fez, a saber, a vida eterna” (1 João 2:25), e como 1 João 5:11 nos diz “essa vida está em seu Filho” e nós a recebemos de “graça”, assim como recebemos tudo que está em Cristo.

Vejam o que Robert Hawker[3] disse em 1810:

Quando eu leio qualquer uma das promessas, descubro que todas e cada uma delas continha Cristo em seu âmago e que ele mesmo era a grande promessa da Bíblia. Todas as promessas foram dadas a ele primeiramente e, a partir dele, elas derivam toda a sua eficácia, doçura, valor e importância. Elas são aplicadas ao nosso coração por Cristo e nele todas as promessas são ‘sim’ e ‘amém’”.

(2.) Todas as promessas de Deus são feitas em Cristo, nenhuma delas pode ser útil para aqueles que estão fora dele, pois um homem fora de Cristo está fora do favor de Deus. O Senhor Deus não pode olhar para tal homem senão como objeto de sua ira, como combustível para sua vingança; não há esperança para ninguém até que ele esteja em Cristo. Mas alguém pode perguntar: Deus não faz muitas coisas boas para aqueles que estão fora de Cristo, enviando a sua chuva tanto sobre os justos como sobre os injustos, e não farta os ímpios de coisas boas (Salmos 17:14)? Sim, ele realmente faz isso, mas essas misericórdias temporais são bênçãos? Na verdade, elas não são. Como Deus diz em Malaquias 2:2: “Amaldiçoarei as suas bênçãos, porque vocês não se importaram com a honra devida ao meu nome” (Cf. Deuteronômio 28:15–20). Para os ímpios, as misericórdias temporais de Deus são como a comida dada aos novilhos, a qual apenas os preparam “para o dia da matança” (Jeremias 12:3 e cf. Tiago 5:5).

Tendo apresentado acima um breve esboço do assunto das promessas divinas, vamos agora observar cuidadosamente o fato de que 2 Coríntios 1:20 afirma claramente: “Porque todas as promessas de Deus têm nele o ‘sim’. Por isso, também por meio dele se diz o ‘amém’”. Quão inexprimivelmente abençoado é isso para os humildes filhos de Deus, ainda que seja um mistério escondido daqueles que são sábios aos seus próprios olhos. Como lemos em Romanos 8:32: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas por todos nós o entregou, será que não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?”. As promessas de Deus são muitas, relacionadas tanto a essa vida quanto à que está por vir; tanto concernentes ao nosso bem-estar temporal quando espiritual; elas abrangem as necessidades do corpo e da alma; porém, qualquer que seja o caráter delas, nenhuma promessa seria válida para nós, exceto por meio daquele que morreu por nós.

Está escrito em 2 Coríntios 7:1: “Portanto, meus amados, tendo tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus”. Que promessas? Ora, aquelas que são mencionadas nos versículos finais do capítulo anterior, é claro. Ali, lemos: “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivo, como ele próprio disse: ‘Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo’” (2 Coríntios 6:16). E onde Deus disse isso? Em Levítico 26:12: “Andarei entre vocês e serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo”. Essa foi uma promessa feita a Israel nos dias de Moisés! Além disso, em 2 Coríntios 6:17–18 lemos: “Por isso, o Senhor diz: ‘Saiam do meio deles e separem-se deles. Não toquem em coisa impura, e eu os receberei’. ‘Serei o Pai de vocês, e vocês serão meus filhos e minhas filhas’, diz o Senhor Todo-Poderoso”, essas palavras são uma referência clara a Jeremias 31:9 e Oséias 1:9–10.

Observe agora mais especificamente o que o Espírito Santo diz sobre essas “promessas” aos santos do Novo Testamento. Ele não faz menção delas as “aplicando”; ele não diz nada sobre nossa “apropriação” delas; em vez disso, ele nos assegura de que “temos essas promessas”. Sim, “essas promessas” do Antigo Testamento são nossas para as desfrutarmos, nossas para nos alimentarmos delas, nossas para nos deleitarmos nelas e nossas para louvarmos. Uma vez que Cristo é nosso, todas as coisas são nossas (1 Coríntios 3:22–23). Ó meu leitor, não permita que nenhum homem, sob o pretexto de “manejar bem” a Palavra da verdade, prive de você qualquer uma das “grandiosas e preciosas” promessas do seu Pai. Se ele está determinado a se restringir a algumas epístolas no Novo Testamento, deixe que ele faça isso para a perda dele próprio; mas não permita que ele ponha uma restrição tão danosa sobre você.

Uma outra passagem deve receber a nossa atenção e, então, encerraremos esse artigo. Escrevendo aos santos do Novo Testamento, o apóstolo Paulo foi movido pelo Espírito Santo a dizer: “Que a vida de vocês seja isenta de avareza. Contentem-se com as coisas que vocês têm, porque Deus disse: ‘De maneira alguma deixarei você, nunca jamais o abandonarei’” (Hebreus 13:5). E a quem você supõe que essa bendita “promessa” foi dada primeiramente? Para Josué (veja Josué 1:5). John Owen declarou corretamente (enquanto prosseguia com a sua referência aos ladrões religiosos de seu tempo, os quais procuravam roubar dos crentes o consolo destinado a eles através das promessas evangélicas do Antigo Testamento):

Se esta alegação for admitida, não conheço qualquer promessa que seria mais evidentemente influenciada por ela do que essa que estamos considerando agora. Ela foi feita para uma pessoa específica e em uma ocasião específica. Essa promessa foi feita a um general ou capitão de exércitos e dizia respeito às grandes guerras que ele teve que empreender, sob o comando especial de Deus. Um crente pobre e faminto poderia dizer: O que há nisso para mim? Não sou o general de um exército, não tenho guerras a batalhar por ordem de Deus, portanto, a virtude e validade dessa promessa sem dúvida expirou com a conquista de Canaã e morreu com aquele para quem ela foi dada.
Essa promessa feita primeiramente a Josué está aplicada aqui à condição do mais fraco, do menor e mais pobre dos santos de Deus, para manifestar o mesmo amor que está em todas as promessas, que essas promessas estão no Mediador e para mostrar a participação geral dos crentes, em qualquer ocasião, em cada uma delas, seja qual for o seu estado e condição. Sem dúvida, os crentes necessitam do consolo contido nessas promessas e se apropriaram da verdade, graça e fidelidade delas, mesmo que tenham sido feitas em diversas ocasiões e dada em épocas diferentes a santos do passado, tais como Abraão, Isaque, Jacó, Davi e ao restante daqueles que andaram com Deus em suas respectivas gerações. Essas coisas são registradas de maneira especial para nosso consolo, para que “pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Romanos 15:4).
O Espírito Santo, por conhecer a fraqueza de nossa fé e como somos muito tendentes à derrota por não nos apegarmos às promessas e misturá-las com nossa fé, ao menor desânimo que possa surgir não foi feita para nós, mas para outros e somente eles é que podem desfrutar dela; Deus pode ser fiel quanto a essa promessa, contudo jamais desfrutaremos da misericórdia intencionada nela), conduz os crentes pela mão e os leva a chegar à mesma conclusão ousada e confiante nas promessas graciosas semelhantes àquelas em que Davi confiou no passado, as quais ele recebeu na presença de Deus: “Assim (ele diz sobre essa promessa), afirmemos confiantemente (sem duvidarmos por incredulidade): ‘O Senhor é o meu auxílio’” (Cf. Hebreus 13:6). Essa é uma conclusão feita a partir da fé, pois Deus disse a Josué, um crente: “De maneira alguma deixarei você, nunca jamais o abandonarei”, embora isso tenha sido dito em uma ocasião particular e em referência a uma situação específica, cada crente pode dizer com ousadia: “O Senhor é o meu auxílio”.