A palavra de fé

October 7, 2024

“A palavra está próxima de você; está na sua boca e no seu coração”, isto é, a palavra da fé que proclamamos: se com a boca você confessar que Jesus é Senhor e crer no seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo. Porque com o coração se crê para a justiça e com a boca se confessa para a salvação. Pois a Escritura diz: “Todo aquele que nele confia jamais será envergonhado”. Portanto, não há diferença entre judeus e gregos, porque o mesmo Senhor de todos abençoa generosamente todos os que o invocam, pois “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”.

O apóstolo Paulo fundamenta a sua teologia não apenas na revelação direta, mas, também, nas escrituras da sua época, ou seja, no Antigo Testamento. Alguns textos são particularmente importantes para ele, como, por exemplo: “o justo viverá pela fé” do profeta Habacuque; “todo que aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” do profeta Joel; e “a palavra está perto de você; está na sua boca e no seu coração”, de Moisés.

Vejamos em que contexto Moisés proferiu essas palavras:

“Porque este mandamento que hoje ordeno a vocês não é tão difícil nem está longe do seu alcance. Não está lá em cima no céu, de modo que vocês tenham que perguntar: “Quem subirá ao céu para trazê‑lo e proclamá‑lo a nós a fim de que lhe obedeçamos?”. Nem está além do mar, de modo que vocês tenham que perguntar: “Quem atravessará o mar para trazê‑lo e, voltando, proclamá‑lo a nós a fim de que lhe obedeçamos?”. Nada disso! A palavra está bem próxima de vocês; está na sua boca e no seu coração, para que obedeçam a ela.

Segundo Moisés, o mandamento não é difícil de cumprir, nem está longe do nosso alcance. O que torna o mandamento fácil de ser cumprido, segundo o profeta, é a palavra estar perto de nós, na nossa boca e no nosso coração, para que a obedeçamos. Esta afirmação de Moisés parece ir contra o ensino do apóstolo Paulo, segundo o qual cumprir a Lei não é apenas difícil, é, também, impossível. Como, então, Moisés pode dizer que o mandamento não é difícil de cumprir?

O apóstolo Paulo cita a frase de Moisés — “A palavra está próxima de você; está na sua boca e no seu coração” — , para dizer a respeito dela: “esta é a palavra de fé que proclamamos”. Isto quer dizer que, implicitamente, Moisés, o arauto da Lei, pregou a palavra de fé? Como isto é possível se este caminho da fé é chamado, pelo apóstolo, de “fé que haveria de vir” e fazia parte do mistério que fora mantido em oculto, mas que agora estava sendo revelado, por meio do ministério apostólico?

Não é porque era um mistério, que não estava escrito. Não é porque era um mistério, que não tinha sido feito por vivido pelos homens de Deus no passado, inclusive pelo próprio Moisés, um homem de Deus, justificado pela fé em Cristo. Este Moisés, que nós associamos com a Lei, era um homem de fé, tanto que figura entre os heróis da fé, no livro de Hebreus 11:

“Pela fé, Moisés, já adulto, recusou ser chamado filho da filha do faraó, porque preferiu ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar o prazer transitório do pecado. Por causa de Cristo, considerou a desonra uma riqueza maior do que os tesouros do Egito, pois contemplava a recompensa. Pela fé, saiu do Egito, por não temer a ira do rei, e perseverou, porque via aquele que é invisível. Pela fé, celebrou a Páscoa e fez a aspersão do sangue, para que o destruidor não tocasse nos primogênitos dos israelitas. Pela fé, o povo atravessou o mar Vermelho em terra seca, mas, quando os egípcios tentaram fazê‑lo, morreram afogados.”

Neste texto de Hebreus nós percebemos que, apesar de Moisés ser associado com a Lei — a própria Bíblia chama a Lei de Lei de Moisés — , ele realizou seus maiores feitos única e exclusivamente pela fé. Com base neste texto de Hebreus, eu pergunto: se o próprio Moisés alcançou a salvação pela fé, e não pela obediência à Lei, porque ele pregaria um caminho diferente do que ele próprio tinha seguido?

Vejamos o que Paulo diz, a respeito das palavras de Moisés: A palavra está próxima de você; está na sua boca e no seu coração isto é, a palavra da fé que proclamamos: se com a boca você confessar que Jesus é Senhor e crer no seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo.” Segundo o apóstolo Paulo, Moisés estava pregando a palavra da fé, quando disse que a palavra está na sua boa e no seu coração. Ele estava ensinando para o povo o caminho que ele própria tinha seguido.

Quer dizer que Moisés pregava confessar Jesus como Senhor? Não, porque Jesus ainda não tinha vindo, e não é isso que o apóstolo está afirmando. Ele está dizendo que Moisés nos ensinou a palavra da fé; a palavra que está na nossa boca e no nosso coração. Isto vale não apenas para o evangelho, mas para toda a palavra de Deus, inclusive para o mandamento. Moisés está apresentando o caminho para a obediência que vem pela fé.

Paulo aplica a palavra da fé, que Moisés ensinou, à salvação: "Se com a boca você confessar que Jesus é Senhor e crer no seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, será salvo". É isto que significa a palavra estar na nossa boca e é isso que significa ela estar no nosso coração. Nós cremos na palavra e a confessamos com nossos lábios. Ou, melhor, nós confessamos com nossos lábios o que cremos no coração.

O texto de Moisés, com a aplicação de Paulo, portanto, nos ensina algo muito importante sobre a fé: a importância da confissão. A confissão, neste caso, não é uma condição adicional à fé. Pelo contrário, é a expressão externa e pública da fé interior. Se, para o apóstolo Tiago, a fé sem obras é morta, neste texto, do apóstolo Paulo, a fé sem confissão também vira defunto.

O texto do apóstolo Paulo gira em torno da confissão para salvação, mas será que a confissão de fé vale apenas para o momento da nossa conversão, ou podemos considerá-la como uma regra geral sobre a fé? A julgar pela origem do fundamento da afirmação de Paulo, fica claro que se trata de uma regra geral sobre a fé. Ora, se a fé em Cristo se aperfeiçoa por meio da confissão, porque seria diferente com a fé nas demais coisas?

Qual é o objetivo da nossa confissão? O testemunho. Por isso, não podemos confessar Jesus como Senhor no nosso quarto. Nossa confissão deve ser pública. Devemos confessar o que cremos às pessoas à nossa volta. Nós estamos acostumados com o testemunho posterior à benção. Este texto inverte essa lógica. Aqui, primeiro você confessa, depois é salvo. Você confessa para ser salvo. Você é salvo pela confissão.

Voltando à questão formulada antes: é apenas a Cristo que devemos confessar publicamente? Ou devemos, de igual forma, confessar publicamente as demais bênçãos que recebemos pela fé? O autor de Hebreus escreveu que foi por meio da fé que os antigos alcançaram bom testemunho. Eles creram em Deus e Deus deu testemunho de que a fé deles era verdadeira, fazendo acontecer o que creram. Nós damos o nosso testemunho primeiro, e Deus dá o seu testemunho depois.

Ao falar sobre a palavra de fé, o apóstolo nos lembra que “todo aquele que nele confia [em Deus] jamais será envergonhado”. Em outras palavras, o apóstolo está dizendo: pode confessar sem medo! Você não será envergonhado, por sua confissão. “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”, escreveu o apóstolo. Não vamos nos perder, neste ponto. O apóstolo ainda está falando da palavra de fé.

O ponto aqui é: quando confessamos a palavra diante dos homens, estamos invocando o nome de Deus! Esta é uma citação que o apóstolo faz de uma profecia de Joel. O contexto é o seguinte: “O sol se tornará em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e temível dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” Repare que o profeta fala sobre invocar o nome do Senhor, no grande e temível dia do Senhor. Fala sobre invocar o nome do Senhor, enquanto sol e lua estão sendo consumidos.

A primeira vista, invocar o nome do Senhor, neste contexto, nos parece um grito desesperado e cheio de pavor, pelo que está acontecendo ao mundo. Paulo subverte essa lógica. Para ele, invocar o nome do Senhor não é um ato de desespero. É um ato de fé! Nós não invocamos dizendo "Nos salve!". Não, pelo contrário. Nós o invocamos dizendo: "Somos salvos!" Nós o invocamos quando confessamos: Cristo é o Senhor!

O Senhor abençoa generosamente todos os que o invocam”, afirma o apóstolo. Esta é uma promessa e tanto! O Senhor abençoa ricamente, isto é, com abundância, todos que o invocam. A questão é: ele abençoa todos os que o invocam desesperados, ou todos os que o invocam com fé? Certamente, todos os que o invocam com fé. E como o invocamos com fé? Seria, por acaso, dobrando nossos joelhos e clamando? Não, é confessando a palavra com a boca e crendo no coração.

Isto não se parece com invocar, não é mesmo? Invocar nos remete ao clamor. De fato, toda palavra de fé tem implícito um clamor; uma oração. Quando dizemos ao monte que se mova para o mar, implicitamente estamos clamando ao Senhor que, mediante a nossa palavra de fé, ele mova o monte. De igual modo, quando confessamos que Cristo é o Senhor, também estamos orando, também o estamos invocando, implicitamente. Oramos para que sejamos salvos, oramos para que o mundo – que agora nos ouve confessar – possa, em breve, ver os frutos da nossa confissão.

Deus se agrada deste tipo de oração implícita, que salta a parte do pedido e vai para a parte do louvor e testemunho.