“(Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem.” Romanos 4:17
Em algumas traduções, o trecho destacado em negrito é traduzido da seguinte forma: “chama à existência as coisas que não existem”. Contudo o texto da versão ARC (Almeida Revista e Corrigida) é mais literal e menos interpretativo, quando comparado ao original grego.
O que o apóstolo tinha em mente, quando disse que Deus chama as coisas que não são como se fossem? Repare que o apóstolo disse essas palavras logo após fazer uma citação de um trecho do livro de Gênesis, o qual, de forma mais completa, diz o seguinte:
“E não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por pai de muitas nações te tenho posto [constituí];” Gênesis 17:5
Veja só! Deus passaria a chamar Abraão, a partir daquele momento, daquilo que ele viria a ser: pai de multidões. Em outras palavras, Deus passaria a chamar as coisas que não são como se já fossem.
Não seria isto, portanto, que o apóstolo tinha em mente quando disse que Deus chama as coisas que não são, como se fossem? Eu diria que é o mais provável, porque, do contrário, seria coincidência demais.
Se os textos devem ser entendidos à luz do seu contexto, esta deveria ser considerada a interpretação mais provável. Até porque existem outras passagens nas escrituras onde Deus — ou Cristo — chamam as coisas que não são como se fossem.
Quando Lázaro morreu, por exemplo, Jesus disse que ele estava dormindo. Havia uma grande multidão na casa de Jairo e Jesus disse, com relação à sua filha: ela não está morta, mas dorme. Todos riram dele, diz a Bíblia, pois sabiam que ela estava morta.
Agora, o que mudaria Jesus dizer que ela estava morta, mas que iria ressuscitá-la? De igual modo, qual o sentido de mudar previamente o nome de Abraão para pai de uma grande nação? Porque não esperar que as coisas antes sejam, para então chamá-las assim?
Eu penso que tem a ver com valorizar a palavra de Deus por sobre a realidade, porque tudo o que existe veio a existir por meio da palavra de Deus. Se a base de tudo que existe é a palavra, podemos e devemos chamar as coisas que não são, mas que Deus disse, como se fossem.
Eu não sou muito fã da Bíblia Viva, mas, neste caso, acho que ela capta bem o sentido do texto, quando o traduz da seguinte forma: “ele [Deus] fala de acontecimentos futuros com tanta convicção como se eles já pertencessem ao passado!”
Romanos 4 está falando sobre a fé de Abraão e esta afirmação tem tudo a ver com a fé. Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos, escreveu o autor de Hebreus. Se temos certeza, nós também podemos falar de fatos futuros com tanta convicção como se eles já pertencessem ao passado.
O caso da mudança de nome de Abraão é interessante porque mudar o nome de alguém é melhor forma de obrigar uma confissão, cada vez que aquele nome é declarado. Cada vez que alguém chamasse Abraão pelo nome, estaria chamando, também, o que não é como se fosse.
Aos noventa e nove anos e mesmo sem filhos, Abraão deveria instruir os outros a chamá-lo de pai de multidões e a Sara, igualmente, de mãe de multidões, por mais constrangedor e contraditório que fosse à luz da realidade. Era uma forma de tornar pública a promessa, para que servisse de testemunho futuro.
Agora, entenda, chamar as coisas que não são como se fosse não significa negar a realidade, tanto que o texto bíblico diz à continuação que Abraão “sem se enfraquecer na fé, reconheceu que o seu corpo já estava sem vitalidade, pois já contava cerca de cem anos de idade, e que também o ventre de Sara já estava sem vigor.”
No caso da morte de Lázaro, houve um momento em que Cristo também reconheceu a realidade. Ao dizer que Lázaro estava dormindo, Cristo estava chamado as coisas que não são como se fossem, mas seus discípulos não o entenderam. Então lhes disse claramente: Lázaro morreu.
Jesus não via nenhum problema em reconhecer a realidade, e reconhecer a morte de Lázaro não afetou em nada o milagre, mas uma vez que ele estava indo lá para ressuscitá-lo, preferia chamar o que não era como se já fosse. Ele chamaria Lázaro para fora e ele sairia, como se estivesse dormindo.
Portanto, não se deixe enganar por acusadores. Nós não negamos a realidade quando chamamos as coisas que não são como se fossem, antes fazemos dessa forma porque é como enxergamos as coisas. Nossos olhos estão fixados no que não se vê, porque o que se vê é transitório.
Quando chamamos as coisas que não são como se fossem, sobrepomos o futuro ao presente. Sobrepomos o futuro prometido por Deus ao presente que se opõe à promessa, e chamamos as coisas não pelo que elas são, mas pelo que elas serão. Chamamos a estéril de mãe de filhos, porque Deus faz da estéril mãe de filhos.
Segundo a Bíblia, aquilo se vê não foi feito do que é visível. Todo o universo foi formado pela palavra de Deus, que não se pode ver. Quem vive pela fé [e não por vista] vive com base na palavra que criou o universo e não com base no universo criado pela palavra.