O apóstolo Tiago escreveu que devemos demonstrar a nossa fé pelas nossas obras, porque a fé sem obras é inútil. Para provar o seu ponto, ele usou o exemplo de Abraão.
Ele disse:
Não foi Abraão, nosso antepassado, justificado por obras, quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar? Você pode ver que tanto a fé como as suas obras estavam atuando juntas, e a fé foi aperfeiçoada pelas obras. Cumpriu-se assim a Escritura que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”, e ele foi chamado amigo de Deus. Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé.
Neste texto, Tiago faz algumas afirmações ousadas, sobre fé e obras. Ele diz que Abraão foi justificado pelas obras, quando ofereceu Isaque sobre o altar. Segundo ele, neste momento se cumpriu a escritura que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”.
Ele diz, também, que tanto a fé como as obras estavam atuando juntas, naquele momento, e que a fé foi aperfeiçoada pelas obras. Tendo provado o seu ponto, ele chama a nossa atenção para o fato de que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé.
Para entender as afirmações de Tiago, precisamos analisar em que momento e contexto as escrituras dizem que “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”. Esta afirmação ocorre no contexto de um encontro de Deus com Abraão, em que este questiona a Deus sobre a sua prometida descendência:
Tu não me concedeste descendência, e por esse motivo um dos meus servos, nascido na minha casa, será o meu herdeiro!” Então imediatamente lhe assegurou o Senhor: “Não será Eliézer o teu herdeiro; mas, sim, filho gerado de ti mesmo será o teu legítimo herdeiro!” Então o Senhor conduziu Abrão para fora da tenda e orientou-o: “Olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes”. E prometeu: “Será assim a tua posteridade!"
É, neste momento, que a escritura diz:
Abrão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça.
No que Abraão especificamente creu no momento em questão? Ele creu na promessa. Creu que Deus lhe daria um filho, gerado por ele, a partir do qual ele seria abençoado com uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu.
No tempo determinado por Deus o milagre ocorreu e o filho veio, como todos sabemos, mas a questão da fé de Abraão não estava, ainda, resolvida. Muitos anos depois, como Isaque já rapaz, Deus levou a efeito a próxima parte do seu plano, que envolveu provar Abraão:
E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão.
A fé de Abraão já tinha sido posta à prova antes, enquanto ele esperava pelo cumprimento da promessa, a medida em que seu corpo perdia a capacidade natural de gerar filhos.
O apóstolo Paulo ressalta a fé de Abraão, naquela ocasião:
Não enfraquecendo na fé, não atentou para o seu próprio corpo já amortecido, pois era já de quase cem anos, nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara. E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus, E estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer.
Abraão não atentou para os fatores e circunstâncias que tornavam ainda mais impossível o cumprimento da promessa de Deus, porque ele estava certíssimo de que Deus era poderoso para fazer o que tinha prometido. Contra todas as circunstâncias, ele seguiu crendo — sem duvidar — que Deus lhe daria descendência a partir de um filho dele e de Sara.
Assim isso lhe foi também imputado como justiça.
Com o nascimento de Isaque, o cumprimento da promessa se tornou aparentemente líquido é certo. Era questão de tempo até Isaque se casar e gerar filhos, que gerariam filhos, que se multiplicariam exponencialmente até chegarem a ser como as estrelas no céu. No entanto, como sói acontecer, Deus reservou a maior de todas as provas para o final.
A prova de Abraão consistia em obedecer uma ordem contraditória de Deus: Tomar o seu filho; o seu único filho, Isaque, a quem ele amava; e oferece-lo em holocausto ao Senhor. Era uma ordem contraditória porque era totalmente oposta à sua fé — aquela fé que lhe foi creditada como justiça — de que em Isaque a sua descendência seria considerada.
Abraão não deveria apenas sacrificar o seu único filho. Ele deveria fazê-lo no monte Moriá, que ficava a exatos três dias de distância de onde ele estava. Três dias em que a fé de Abraão — de que ele teria uma descendência a partir de Isaque — seria novamente posta à prova.
Isto fica claro no texto de Hebreus:
Pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar; E daí também em figura ele o recobrou.
Segundo Hebreus, aquele que recebeu a promessa de que "Em Isaque seria chamada a sua descendência", ofereceu este mesmo Isaque em sacrifício, quando foi provado, — por mais contraditório que fosse — porque considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar; E daí também em figura ele o recobrou.
Repare como, em meio à prova, Abraão encontrou uma forma de conciliar a aparente contradição divina e manter intacta a sua fé na promessa. Mais do que isto, ele elevou a sua fé alguns degraus e creu que Deus era poderoso para até dentre os mortos ressuscitar Isaque.
O texto de Gênesis comprova esta afirmação em várias partes da narrativa, a começar pelo fato de que Abraão não questionou a Deus em nenhum momento. Ele não murmurou, não hesitou e não duvidou. Quando chegou ao lugar determinado por Deus, ele disse aos seus servos:
Fiquem aqui com o jumento enquanto eu e o rapaz vamos até lá. Depois de adorarmos, voltaremos.
Isto que Abraão disse era uma confissão da fé que ele tinha. Uma vez que a sua descendência seria contada a partir de Isaque, ele sabia que voltaria com o seu filho daquele monte, ainda que, para tanto, Deus tivesse que ressuscitá-lo dentre os mortos. Mais do que isto, Abraão tinha uma fé sólida no evangelho de Cristo.
Quando indagado pelo próprio filho, sobre o por quê de não estarem levando um cordeiro para o holocausto, Abraão respondeu:
Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho.
A fé de Abraão na promessa e na bondade de Deus era tão sólida e profunda que ele creu, de antemão e sem que ninguém lhe dissesse, que aconteceria o que de fato aconteceu. Ele creu, não que o holocausto não seria necessário, ou que ele desceria do monte sem que um sacrifício fosse realizado, mas sim que Deus proveria o cordeiro.
Foi com base nessa fé que Abraão empreendeu a viagem, que Abraão construiu o altar, que Abraão amarrou o seu filho e que Abraão pegou o cutelo em sua mão. Foi com base nessa fé que ele superou a maior de todas as suas provações.
Feitas estas considerações, vamos voltar ao texto de Tiago, par recapitular as suas considerações, que agora farão muito mais sentido:
Não foi Abraão, nosso antepassado, justificado por obras, quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar? Você pode ver que tanto a fé como as suas obras estavam atuando juntas, e a fé foi aperfeiçoada pelas obras. Cumpriu-se assim a Escritura que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”, e ele foi chamado amigo de Deus. Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé.
Tiago diz que fé de Abraão — de que em Isaque a sua descendência seria considerada, ainda que mediante a ressurreição — atuou junto com sua obra, de oferecer Isaque no altar. De fato, ele só conseguiu ir até o fim no seu sacrifício, porque ele creu até o fim na ressurreição.
Anteriormente, Tiago tinha escrito:
Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras.
Não é possível mostrar fé sem obras, porque são justamente as obra que mostram a fé. A fé de Abraão foi claramente mostrada — até as últimas consequências — pela sua obra de oferecer Isaque sobre o altar. A que outra prova Abraão poderia ser submetido, maior do que aquela, para mostrar que ele cria na promessa de Deus?
Não consta, nas escrituras, que outra prova tenha sido exigida de Abraão, além desta última. Pelo contrário, como disse Tiago, a fé de Abraão — de que a sua descendência herdaria a terra — , foi aperfeiçoada por esta derradeira obra de oferecer Isaque no altar.
Contudo, notem que Tiago vai além do que estamos dizendo. Ele não diz apenas que a provação mostrou que a fé de Abraão era perfeita, ele diz que foi a obra que tornou perfeita a fé de Abraão. Esta afirmação vai de encontro às outras que ele faz, de que a fé sem obras é morta, é inútil, não tem valor e não pode salvar.
Ele diz:
Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé.
Se apenas a fé sem obras fosse suficiente para justificar Abraão, ele não precisaria ser submetido àquela prova tão dura. Deus não é sádico. O apóstolo Pedro escreveu que nós devemos [necessariamente] ser entristecidos por todo tipo de provação, para que fique comprovado que a nossa fé é genuína.
Quando a fé de Abraão foi aperfeiçoada por suas obras, cumpriu-se a escritura que diz que “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça” e Deus ratificou pela última vez as suas promessas a Abraão, dizendo:
“Juro por mim mesmo”, declara o Senhor, “que por ter feito o que fez, não me negando seu filho, o seu único filho, esteja certo de que o abençoarei e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua descendência conquistará as cidades dos que lhe forem inimigos e, por meio dela, todos povos da terra serão abençoados, porque você me obedeceu”.
Veja, Abraão. A sua fé foi provada quando eu pedi o seu filho unigênito, e você foi aprovado porque não me o negou. Agora ficou comprovado — por meio da obra mais estrema — que a fé que você tem é genuína e o seu temor por mim está acima de tudo. Por você ter feito o que fez, eu juro por mim mesmo que o abençoarei.
Ao que parece, Deus ficou ressentido por ter submetido Abraão àquela prova necessária, colocando densas nuvens sobre a promessa. Tanto que, agora, o Senhor se apressa em dissipar todas essas nuvens, jurando por si mesmo e garantindo com absoluta certeza que todas as promessas que Ele fizera a Abraão se cumpririam. [Não que isso fosse necessário, para Abraão.]
Deus é como um pai que fica na linha de chegada, esperando o filho terminar a sua prova, para lhe dar um abraço e dizer que o ama. Todavia, enquanto o filho não atravessa a linha de chegada, o pai espera. Por mais dura que seja a prova, por mais duro que seja ver o filho sofrendo, ele espera, porque ele crê no potencial do seu filho.
Com isto, podemos dizer, sem medo de errar, que a nossa fé, para que produza resultados, deve ser comprovada por meio de obras.
Porque:
Assim como o corpo sem espírito está morto, também a fé sem obras está morta.
Sim, Tiago compara a fé sem obras a um corpo sem espírito.