Quando Deus jura por si mesmo

April 17, 2023

(O outro título seria: "a âncora da alma")

O apóstolo Tiago escreveu que não devemos jurar, nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outra coisa. Segundo ele, o nosso sim deve ser sim e o nosso não deve ser não. O juramento é necessário quando o sim nem sempre é sim e quando o não nem sempre é não. Quem precisa empenhar um juramento como garantia cai em condenação, segundo o apóstolo, porque mostra que é uma pessoa cuja palavra não tem valor.

Agora, o que dizer quando o juramento vem do próprio Deus? O autor de Hebreus escreveu que quando Deus fez a sua promessa a Abraão, por não haver ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: “Esteja certo de que o abençoarei e farei numerosos os seus descendentes”. (Na verdade este texto no Antigo Testamento começa com o Senhor dizendo especificamente: “Juro por mim mesmo.”)

O autor de Hebreus prossegue: “os homens juram por alguém superior a si mesmos, e o juramento confirma o que foi dito, pondo fim a toda discussão. Querendo mostrar de forma bem clara a natureza imutável do seu propósito para com os herdeiros da promessa, Deus o confirmou com juramento, para que, por meio de duas coisas imutáveis nas quais é impossível que Deus minta, sejamos firmemente encorajados, nós, que nos refugiamos nele para tomar posse da esperança a nós proposta."

Pondo o juramento de Deus em contexto, percebemos uma nítida diferença deste para o juramento a que Tiago nos proíbe. Como o texto diz, é impossível que Deus minta, mas mesmo assim ele jurou a fim de mostrar de forma clara — para Abraão — a natureza imutável do seu propósito. Deus jurou não porque a sua palavra não tem valor, mas porque a palavra do homem não tem valor e, por isto, o homem está condicionado a confiar mais quando ouve um juramento.

Deus queria que Abraão confiasse nele, por isso ele jurou. É por isso, também, que por inúmeras vezes, no Novo Testamento, Jesus usa a expressão “Eu lhes asseguro”. Como por exemplo, quando ele diz: “Eu lhes asseguro que meu Pai lhes dará tudo o que pedirem em meu nome.” “Eu lhes asseguro que, se vocês tiverem fé e não duvidarem, poderão fazer não somente o que foi feito à figueira, mas também dizer a este monte: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e assim será feito. E tudo o que pedirem em oração, se crerem, vocês receberão”.

“Eu lhes asseguro” não é propriamente um juramento, mas tem o mesmo objetivo de conferir valor à palavra de alguém. É o mesmo que dizer, “eu lhes garanto”. É uma forma de oferecer uma garantia a respeito do que está sendo dito. Jesus não mente (é impossível que ele minta), mas mesmo assim ele garantiu. Não porque a sua palavra precisasse de garantia, mas para que o homem — acostumado a palavras sem valor — pudesse crer na sua palavra com maior facilidade.

Desde o Éden, vemos Deus empenhado em que creiamos na sua palavra. O “Eu Sou”, cuja palavra criou os céus e a terra, jurou. Usou termos indignos, próprios de humanos caídos; usou termos que não existiriam, se não existisse o pecado. (Sim, porque em um mundo sem pecado ninguém precisaria jurar e ninguém precisaria assegurar nada, porque toda palavra seria verdadeira e toda palavra seria confiável. A nossa realidade, contudo, é outra.)

Mas se Deus escolheu jurar, o seu juramento tem valor. É nisto que o autor de Hebreus se apega, quando diz que estamos diante de duas coisas imutáveis: 1. a palavra de Deus e 2. o seu juramento. Primeiro, porque só a palavra de Deus bastaria (porque é impossível que Deus minta), e, segundo, porque ele confirmou sua palavra com um juramento, e o seu juramento não foi em vão. Por não haver ninguém maior por quem jurar, ele jurou por si mesmo!

O que já era imutável não vai ser mais imutável, pela adição de uma nova coisa imutável, mas Deus fez isso por causa de nós, para que assim, quem sabe, o nosso coração condicionado pela queda pudesse confiar com maior facilidade. Segundo o autor de Hebreus Deus fez isso para que fôssemos “firmemente encorajados, nós, que nos refugiamos nele para tomar posse da esperança a nós proposta. Temos esta esperança como âncora da alma, firme e segura”.

A nossa alma precisa de uma âncora como essa, para permanecer firme e não ficar à deriva, levada de um lado para o outro pelas ondas do mar. A âncora da nossa alma é a imutável palavra de Deus, confirmada com juramento. Nós devemos nos agarrar a esta âncora com todas as nossas forças, por maiores que sejam os vagalhões que estamos enfrentando. Devemos nos amarrar a ela, para que as ondas mais bravias não consigam nos arrastar para longe da palavra de Deus.

Hoje em dia nem o juramento tem muito valor e as relações se baseiam em documentos escritos, talvez por isso Deus tenha nos deixado a sua palavra (e o seu juramento) detalhados por escrito no seu testamento. Nada faz mais sentido para mim do que dizer que a Bíblia é a âncora da minha alma. Eu valorizo a igreja, valorizo os meus irmãos em Cristo, mas olhando para trás eu digo com convicção: se ainda estou firme em Cristo, é graças a esta âncora que é a palavra de Deus.