
Sentado sobre a mala de viagem, o rapaz aguardava uma carona para ir embora da cidade. Era uma madrugada fria de julho e um sereno gelado e persistente caía do céu. Com o olhar no horizonte, ele fazia força para imaginar qual seria o seu destino; tudo o que conseguiu foi sentir um frio na barriga, desses que a gente sente quando está com medo.
Quando os primeiros raios de sol despontaram no horizonte e o frio intenso começou a diminuir, diversos caminhões saiam enfileirados da cidade, carregados com as ferragens e tralhas de um parque de diversões.
Ao vê-los vindo em sua direção, ele se levantou e fez sinal com as mãos. Um dos caminhões parou do seu lado.
— Tá indo pra onde, garoto? — perguntou o motorista.
— Qualquer lugar longe daqui — respondeu ele.
— E seu pai sabe disso?
— Foi ele quem me mandou embora.
O motorista do caminhão olhou para o rapaz, que era alto e magro, viu seus olhos grandes e pidões, como os de um cachorro sem dono, pensou um pouco, e por fim disse:
— Tudo bem. Entra aí atrás, que a gente leva você pra algum lugar.
Bernardo entrou na parte de trás do caminhão, onde vários outros funcionários do parque estavam acomodados, e sentou-se ao lado de um deles, um velho gordo e forte, de barba grisalha.
— Qual é seu nome? — perguntou o velho.
— Meu nome é Bernardo — respondeu, arrumando em um canto as suas poucas coisas. — E o seu?
— Todos me chamam de Barba — disse o velho, e completou: — Acho que vi você no parque, Bernardo.
— Eu estive lá — respondeu ele, olhando a cidade se distanciar pela janela, com a mente fervilhando de lembranças.
Exatamente um mês atrás, ele tinha vestido a sua melhor calça jeans, uma camiseta preta surrada, penteado os cabelos negros com bastante gel e descera pela avenida que vai para o porto, de onde era possível ver os brinquedos do parque, iluminados no começo de noite.
De longe, ele observou a multidão, como se procurasse alguém, até finalmente avistar Estela em pé, ao lado da bilheteria, mais linda do que nunca. Seus cabelos castanhos e longos balançavam ao sabor do vento, enquanto ela cruzava os braços apertando-se com frio. Quando seus olhares se encontraram e ela deu um sorriso enorme, o coração de Bernardo acelerou e suas mãos começaram a suar, apesar do frio.
— Você me deixou esperando cinco minutos — disse ela dando-lhe um beijo na bochecha, assim que ele chegou.
— Seu relógio deve estar adiantado — retrucou.
— Sei — disse ela sorrindo — Vamos entrar.
Foram se divertir nos brinquedos do parque recém-chegado à cidade. Começaram brincando de escorregar no tobogã, depois andaram nos carrinhos bate-bate, e mais tarde se arriscaram na montanha-russa, que mais parecia uma enorme sucata de ferro.
Quando se cansaram de andar nos brinquedos, ele a levou para passear pelas barracas, tiraram fotos múltiplas fazendo caretas em uma cabine fotográfica e ele ganhou um urso de pelúcia para ela em uma tenda de tiro ao alvo.
Enquanto caminhavam, ela segurou em sua mão e ambos passaram a andar de mãos dadas. Por fim, chegaram à roda-gigante e se sentaram lado a lado em algo que se parecia com uma pequena gaiola de aço. Ela se recostou no seu peito, exausta depois da noite de diversão.
Ele a encaixou em seus braços e pôde sentir de perto o perfume que exalava da sua pele macia. A vida lhe pareceu perfeita naquele instante.
— É muito bom estar com você — disse ele.
— Poderia ficar assim para sempre — disse ela, respirando fundo e apertando-se aos seus braços, para se proteger da brisa fria que soprava.
Estavam no ponto mais alto da roda-gigante e já era possível ver as primeiras estrelas no céu. Havia tantas coisas que ele planejara dizer em um momento como aquele; tantas poesias sobre ela em seu caderno, mas as palavras estavam longe.
Tudo o que ele conseguiu fazer foi olhar para os lábios dela, fechar os olhos e aproximar-se um pouco, até senti-los tocar os seus. Beijaram-se pela primeira vez.
— Acorda, garoto — disse o velho do seu lado.
— Eu não estava dormindo — respondeu ele, voltando a si. — Estava pensando.
— Pensando nas coisas que você deixou para trás?
— Mais ou menos.
— Quer o conselho de um velho?
— Pode falar.
— Esqueça o que ficou para trás e siga em frente.
— É uma boa ideia.
Bernardo olhou uma última vez pela janela em direção à cidade de Santa Elena ao longe, como que para se despedir. Passava pela sua cabeça lutar com todas as forças para buscar a garota que amava e provar que o seu pai estava errado a seu respeito.
Este é o primeiro capítulo do meu livro "O Farol" disponível em e-book na Amazon, no link abaixo.