Os guerreiros filisteus ocupam uma colina e os israelitas a outra, estando o vale de Elá entre eles, ambos os exércitos perfilados para a batalha, brandindo seus escudos, espadas e lanças, com gritos e alaridos. Do lado israelita o sacerdote de meia idade vem à frente do exército sem muita convicção e seguindo o protocolo diz:
“ouça, ó Israel, não tenham medo, o Senhor, o seu Deus, lutará por vocês contra os seus inimigos”,
depois do sacerdote é a vez do oficial de mil, que vem à frente do exército e diz com voz potente:
“se houver alguém por casar, que ainda não recebeu sua mulher, pode voltar para casa, para que não morra na guerra e outro se case com ela”,
nunca antes houve tantos compromissos de casamentos em Israel, por fim o oficial gritou
“alguém está com medo e não tem coragem?” [esta chance de deserção era conhecida em Israel como porta dos covardes].
Enquanto ele fala, na colina oposta um guerreiro filisteu, com mais de dois metro e meio de altura, desce o vale fortemente armado, armadura de cobre, espada e lança avantajados, seu escudeiro à frente, ele para e grita às tropas de Israel,
“escolham um homem para lutar comigo. Se ele puder lutar e vencer-me, nós seremos seus escravos; se eu o vencer vocês serão nossos escravos”.
Os israelitas ficam apavorados, “Alguém está com medo e não tem coragem?”, repetiu o oficial e milhares de mãos foram levantadas entre a multidão.
Alguns dias depois, no povoado de Hesbom, nas montanhas de Efraim, um rapaz percorre a rua gritando “o exército voltou, eles venceram, eles venceram…”, os hesmonitas vão saindo curiosos de suas casas, mulheres em sua maioria esperando os maridos voltarem da guerra.
Em uma das casas, Samá está assentado com a mulher e seus dois filhos em torno da mesa, ele e a esposa se entreolham, pegam os filhos e saem pela porta, os vizinhos fazem o mesmo, todos caminham apressados em direção à rua principal.
À frente do exército vai o carro do rei Saul, ao lado dele, um rapaz ruivo, todo ensanguentado, tendo em uma das mãos a cabeça do gigante e, na outra, a sua espada.
“Quem é aquele?”, pergunta Samá,
“É Davi, filho de Jessé; um pastor de Belém”, responde uma mulher,
“ele matou o gigante”, diz outra,
“ele o que?”, pergunta Samá [o ruído da multidão é insuportável],
“ele matou o gigante com uma funda”.
O ruivo não tinha nada de especial, nem mesmo parecia um guerreiro.
O carro do rei é seguido por todo o exército de Israel, os guerreiros hesmonitas vão sendo acolhido por suas mulheres, um dos soldados olha para Samá:
“eu conheço você” diz ele, Samá tentou esconder-se por trás da esposa e do filho “eu conheço aquele homem”, disse o soldado aos demais, “ele estava conosco na colina, ele desertou pela porta dos covardes”
“se você estivesse lá, talvez eu não fosse ferido”, disse um outro, com o rosto enfaixado, não demorou muito para alguém gritar “covarde”, a ele se juntaram outros, depois outros, até que os gritos de comemoração foram substituídos por vaias de reprovação, não demorou e alguém lhe atirou um pedaço de pão, Samá ficou a frente dos filhos, para protegê-los.
“Deixem-no”, gritou um dos oficiais a cavalo, depois virou-se para Samá, “saia daqui, não participa da batalha, não participa da vitória”.
Na floresta de Herete, nas terras de Judá, Hezrai de Carmelo está no posto de vigia. “Vem vindo alguém”, diz seu companheiro, o arqueiro sob a árvore. Hezrai fica de tocaia até o desconhecido se aproximar.
“Mais um passo e você morre”, diz ele apontando para cima onde o arqueiro tem o arco retesado. “Aonde você está indo?”
“Soube que Davi se refugia aqui”, diz Samá. “Vim juntar-me a ele.”
“Como saberemos que você não é um enviado de Saul?”
“Eu já fui do exército de Saul, mas desertei. Sou perseguido como Davi, por isso quero juntar-me a ele.”
“Você não é como Davi, vocês não podiam ser mais diferentes. Davi é perseguido por sua bravura, você por sua covardia.”
“Eu não sou um covarde.”
“Então prove”, diz Hezrai. “Saque sua espada e lute comigo.”
Samá saca sua espada, mas não tem muita chance contra o corpulento Hezrai, o bravo, que consegue desarma-lo com um golpe.
“Um guerreiro não pode ser separado de sua espada tão facilmente.”
Samá se abaixa para pegar a espada e recebe um chute no traseiro, caindo ao chão, para alegria do arqueiro sob a árvore.
“Um guerreiro também não dá as costas para o seu inimigo.”
“Eu sou um camponês, não um guerreiro.”
“Vamos, levante-se”, diz Hezrai. “Por mim, você daria meia volta, mas Davi nos deu ordens para não rejeitarmos ninguém, nem mesmo um camponês covarde como você.”
Samá segue Hezrai por entre as árvores, até o acampamento, onde por toda parte há fogueiras, com agrupamentos de pessoas, há centenas delas.
“Aquele é Davi”, diz Hezrai, apontando para uma das fogueiras, Samá o reconhece pelos cabelos vermelhos, mas este Davi forte, de barba e cabelo desgrenhados, pouco lembra o rapaz que matou o gigante. Tinha se passado alguns anos desde então, o jovem herói fora promovido a oficial do exército, depois a chefe de mil, até despertar a inveja do rei e virar um fugitivo. Ele se comporta como mais um na multidão, sentado com sua harpa, entoando uma canção, sua voz é grave, mas suave ao mesmo tempo. Seus companheiros tentam acompanhá-lo na canção, formando um coral desafinado.
Nas proximidades da cidade fortificada de Queila, em meio às florestas, cerca de trezentos homens estão preparados para a batalha, os arqueiros sobre as árvores, os demais no solo com suas espadas e lanças, em silêncio absoluto.
“Preparado, covarde?”, sussurrou Hezrai.
“Estou”, respondeu Samá.
“Depois de hoje, você não me chamará mais de covarde.”
O silêncio foi interrompido pelo ruído de cavalos e guerreiros de Davi, invadindo a floresta. Davi está adiante deles.
“Em suas posições”, gritou Davi. “Os filisteus estão atrás de nós. Pensam que estamos fugindo!”
Os filisteus apareceram atrás deles, como uma avalanche.
“É agora!”, gritou Hezrai com sangue nos olhos, levantando sua lança e correndo em direção ao inimigo.
Samá ficou paralisado, por um instante. Ele se lembrou das palavras do profeta. “O Senhor nos dará a vitória”, pensou ele. Correu para o meio da batalha, onde seus companheiros combatiam. Combateu com todas as forças, até ser atingido na cabeça pela arma de um filisteu. Primeiro ele viu as nuvens, depois uma águia voando.
“O que aconteceu?”, perguntou Samá com o rosto enfaixado, deitado sobre uma carroça cambaleante.
“Você lutou como um bravo”, derrotamos os filisteus, libertamos Queila, mas Saul descobriu que estávamos lá. Estamos fugindo.
CONTINUA…
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.