Como é produzido em nós o domínio próprio?

October 14, 2020

Eu sempre pensei que o fruto do Espírito fosse produzido por uma transformação milagrosa e indolor. O domínio próprio, por exemplo, eu pensava que fosse o resultado natural¹ de vivermos pelo Espírito.

Mas ai vem o apóstolo Paulo e diz, em outra carta, que esmurra o próprio corpo e faz dele o seu escravo, tratando-se com o rigor de um competidor olímpico. Em vez de ser escravo da carne, ele a subjuga, invertendo os papéis, tornando-se senhor de si mesmo.

No entanto, este domínio próprio não veio sem luta; não veio sem esmurrar o próprio corpo. Exigiu sacrifício, esforço e autodisciplina, da parte do apóstolo. Ora, se dependeu do esforço do apóstolo, porque chamar de fruto do Espírito?

É simples. Ninguém tem a força necessária para subjugar o próprio corpo e tornar-se senhor de si mesmo, como conseguiu o apóstolo, a menos que receba essa força do Espírito Santo. Quando o nosso esforço dá frutos, esse fruto é produzido pelo Espírito Santo.

Para ficar mais claro. Duas pessoas se esforçam para terem domínio próprio, mas só a que vive pelo Espírito vê o seu esforço frutificar. A outra, que se esforça pela carne, nunca verá os frutos do seu esforço, porque não tem em si mesmo a força necessária.

Repare que o apóstolo associa os frutos do Espírito com aqueles que vivem pelo Espírito. Viver pelo Espírito, em grande parte, significa viver pela força do Espírito. Significa que ele nos fortalece para fazermos o que antes não tínhamos força para fazer.

O próprio apóstolo reconhece isso, em outro lugar: “Eu me esforço lutando conforme a sua força, que atua poderosamente em mim²”. O domínio próprio não viria se o apóstolo não se esforçasse. Ele estaria esperando até hoje pelo fruto do Espírito, se não radicalizasse e chegasse as vias de fato consigo mesmo.

O que isto nos ensina? O fruto do Espírito não nasce da inércia, mas da ação. Se é assim com o domínio próprio, que é um gomo do fruto, é assim também com os outros gomos (amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade e mansidão).

O fruto do Espírito é mais uma daquelas bênçãos em Cristo que não vem para quem cruzam os braços. Se quisermos ver o fruto em nós, teremos que tomar posse da bênção, teremos que travar uma dura batalha contra nós mesmos, como fez o apóstolo Paulo.

O apóstolo nos diz que muitos correm no estádio, mas apenas um ganha o prêmio. Segundo o apóstolo, nós não devemos correr apenas para participar, devemos correr para ganhar. Na luta contra o pecado, por exemplo, tem muitos que lutam pra perder (até se entregam ao adversário).

Nós não devemos ser assim. Devemos lutar para ganhar, custe o que custar. Não adianta culpar o Espírito Santo, como se ele não tivesse te ajudado. O mais provável é que você não tenha se esforçado o suficiente. O Espírito Santo nos fortalece, mas isto não significa que ele torne as coisas fáceis para nós.

Todos os que competem nos jogos [não apenas os vencedores] se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma coroa corruptível, escreveu o apóstolo. Segundo ele, nós também devemos nos submeter a um treinamento rigoroso se quisermos vencer.

Se eles, que buscam um prêmio corruptível, se submetem a um treinamento tão rigoroso, porque seria diferente conosco, que buscamos o prêmio que dura para sempre? Nesta árdua preparação, o Espírito Santo é o nosso treinador. Sim, ele nos pressiona de todos os lados, para nos dar musculatura.

Eu pensava que o fruto do Espírito viesse naturalmente, até que confrontei este texto com outros das escrituras. Está escrito, por exemplo, que Deus prova a nossa fé, porque a prova da nossa fé produz perseverança. Isto mostra que os frutos do Espírito não são produzidos por osmose; são produzidos por treinamento e situações limites.

Não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem esmurra o ar, diz o apóstolo. Eu tenho um alvo bem definido, que é a vitória sobre eu mesmo; sobre a parte de mim que me boicota. Esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado.

Que nós também possamos travar essa batalha para sermos pessoas melhores, nos esforçando com a poderosa força que atua em nós, em vez de ficarmos inertes, nos lamentando porque o Espírito Santo não tem produzido o seu fruto em nós.

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¹ Para J. Stott, o fruto do Espírito é o “produto natural que aparece na vida dos cristãos dirigidos pelo Espírito.”

² Colossenses 1.29


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