
O ônibus parou na estrada, eu desci com a minha mochila nas costas e caminhei pela rua de terra até a casa onde cresci, em uma zona rural na pequena cidade de Nova Veneza.
“Filho. Que surpresa!”, disse minha mãe, quando me viu.
Imaginem uma senhora forte, sangue italiano, temperamento idem, pele castigada pelo sol. Ela morava sozinha, desde que fui para a faculdade.
“Tive uma folga das aulas e estava com saudades de casa”, eu lhe disse.
Ela me abraçou apertado.
“Entre. Vou preparar um café.”
Deixei a mochila no quarto, tomei um banho e me juntei a ela na cozinha.
“Como vai a faculdade?”, ela perguntou, enquanto tomávamos café.
Eu lhe falei um pouco sobre como minha vida estava puxada no campus. “Não tenho tempo para nada”, eu lhe disse.
“Nem para ir à igreja”, ela perguntou.
Pensei em falar a verdade sobre a minha fé, ou melhor sobre a minha falta de fé (nem tanto em Deus, mas especialmente nas pessoas), mas preferi tergiversar.
“Às vezes eu participo de algumas reuniões organizadas por estudantes”.
“Você sabe que não é a mesma coisa”, disse ela e emendou: “Amanhã você vai à igreja comigo.”
Eu concordei com a cabeça.
Ela completou: “Talvez seja a sua última oportunidade de ver o pastor Estevão. Ele está se aposentando.”
O pastor Estevão devia estar na casa dos setenta, ele era pastor da igreja desde os anos oitenta. Apesar da idade, sua pregação ainda era eloquente. Na noite em que estive na igreja, ele pregou sobre a parábola da dracma perdida.
Quando a reunião acabou, eu me senti o próprio filho pródigo, com todas as pessoas vindo me cumprimentar. Todos muito bem informados sobre mim, graças a minha mãe.
Quando o pastor veio até mim, conversamos sobre a sua aposentadoria.
“Na verdade, estou sendo aposentado”, disse ele.
“O que houve?”, eu lhe perguntei.
“Estou sendo substituído por um pastor mais jovem, recém formado. Ele deve chegar o próximo mês.”
“Mas por que? O senhor ainda tem muita lenha pra queimar.”
“Não me orgulho do que vou dizer, mas essas trocas de pastores em nosso ministério envolve um pouco de política.”
“Alguém de olho no seu lugar?”
“Não. Não tem muita gente interessada em vir para o interior. Acho que é mais uma questão de retaliação. Nós temos direito a voto em algumas assembleias, e eu não estava votando com a maioria.”
“Isso não me parece muito cristão…”
“Você já não é mais criança, Bernardo.”
“A igreja sede fica na capital, não fica? Será que não há nada que eu possa fazer?”
“Bem, converse com a sua mãe. Os irmãos da igreja estão fazendo um abaixo assinado…”
Na semana seguinte, estive na igreja em questão. Era uma mega igreja, com lugar para mais de três mil pessoas sentadas. Tive que ligar com bastante antecedência, para ser incluído na agenda do pastor presidente.
O pastor em questão estava acostumado a receber deputados e outras pessoas importantes, mas fez o possível por demonstrar simpatia quando a sua secretária me apresentou. Eu lhe expliquei resumidamente de onde eu era e qual era o motivo de estar ali.
“Trago um abaixo-assinado”, eu lhe disse. “Está assinado por todas as pessoas da igreja.”
“Infelizmente, não é assim que as coisas funcionam. Não são os membros da igreja que escolhem o pastor. Você consegue imaginar a igreja de Corinto ou Tessalônica fazendo um abaixo-assinado?”
“E como é que as coisas funcionam?” Eu lhe perguntei.
“Os pastores são escolhidos pela presidência, debaixo da direção do Espírito Santo.”
“O senhor está dizendo que eles devem simplesmente aceitar?”
“Exato”, disse ele.
“Eles precisam entender que essa é a vontade de Deus.”
Eu percebi para onde estava indo o rumo da conversa, mas não posso dizer que esperava um desfecho diferente. Na verdade, meus planos para estar ali eram outros. Enquanto conversávamos, coloquei discretamente um gravador espião embaixo da cadeira em que está sentado.
“Já que é a vontade de Deus”, eu lhe disse. “Não vou tomar mais o seu tempo.”
Era um gravador dos mais modernos, com um transmissor por rede celular que eu podia ouvir vinte e quatro horas por dia. Passei a maior parte do dia ouvindo reuniões pastorais pelo celular. Eram coisas pouco ortodoxas, que normalmente não seriam ditas em público, mas nada comprometedor o suficiente, pelo menos não nos primeiros dias.
Eu estava no Mac Donalds com Estela, minha namorada, conversando com ela enquanto mantinha um dos fones no ouvido, quando aconteceu.
“Faz tempo que você não me leva para jantar”, disse a secretária.
Quando ela disse isso, eu imaginei o que viria. Chamei minha namorada para compartilhar o outro fone.
“Nós não podemos ser vistos juntos em público”, disse o pastor presidente.
“Eu conheço um restaurante discreto.”
“Depende”, disse ele. “Que roupa você vai usar?”
“Um vestido curto.”
“Estou me referindo à roupa de baixo…”
Eu e minha namorada arregalamos os olhos.
“Uou!” Eu disse.
“Que sacana!”, disse minha namorada. “Eu não acredito.”
“Bem vindo ao mundo real!” Eu lhe disse.
“Será que não sobrou mais ninguém bom neste mundo?”, disse ela com sarcasmo, tentando esconder a sinceridade da sua pergunta.
Nós estávamos nisso, de descobrir os podres das pessoas, havia alguns meses. Ainda não estávamos acostumados com aquilo.
Adivinhem quem me recebeu, quando voltei para uma nova audiência com o pastor presidente. Sim, a secretária. Ela me anunciou e o pastor, desta vez, não estava tão simpático como da vez anterior.
“Pensei que já tínhamos resolvido tudo da última vez”, disse ele.
Eu me sentei na cadeira e a primeira coisa que fiz foi pegar discretamente meu gravador e guardar no bolso.
“Eu vim porque tenho certeza que o senhor vai reconsiderar.”
“Já está decidido”.
“Talvez isto mude sua decisão”, eu lhe disse. Tirei o celular do bolso e dei play no áudio da gravação.
O homem arregalou os olhos e se agitou, como um leão apanhado numa armadilha.
“O que significa isso? É algum tipo de extorsão? Eu posso chamar a polícia!”
“O senhor realmente pode, mas tem certeza que é isso que quer?”
De repente, todo o ímpeto arrefeceu.
“O que você quer?” Ele perguntou.
“Nada de mais. Apenas que o pastor Estevão seja mantido no cargo. Diga que aceitou o abaixo assinado… Também quero que o senhor se aposente em vez dele. E garanta que o seu sucessor não irá mudar sua decisão.”
No dia seguinte, viajei novamente para o interior, para dar a notícia pessoalmente. Entrei no gabinete pastoral, no momento em que o pastor Estevão tinha acabado de receber por telefone a boa notícia da sua permanência.
“Parece que você foi bem convincente”, disse ele.
“É o mínimo que eu poderia fazer. Acredito que o senhor é uma boa pessoa e boas pessoas são como animais em extinção.”
“Obrigado”, disse o velho pastor, dando-me um abraço sincero.
Nos despedimos e eu sai andando pela rua, com uma pulga atrás da orelha. Alguém me disse uma vez que todos tem um segredo e eu me perguntava se isso incluía também o pastor Estevão, um dos homens mais íntegros que eu conheci.
Coloquei o fone de ouvido, enquanto caminhava, e comecei a ouvir o áudio do gravador que instalei sob a mesa pastoral. Eu não deveria ter feito aquilo, eu sei, mas eu tinha que saber.
Na sala pastoral, o pastor Estevão dobrou os joelhos e começou a orar. Na oração ele agradeceu a Deus por ter sido mantido no cargo.
Então houve uma pausa, depois algo como um suspiro profundo.
Por fim, o pastor disse:
“Agora, Pai, poderei passar parte dos seis meses que me restam de vida fazendo o que sei fazer.”
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.