Coadores de mosquitos

October 1, 2019

Guias cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo (Mt 23.24)

Nós julgamos o tempo todo. Na mitologia grega, a justiça é representada pela figura de uma mulher com uma venda nos olhos, uma balança em uma mão e uma espada na outra.

A venda nos olhos significa que o juízo deve ser imparcial, mas nós sempre damos uma espiadinha por debaixo dos panos.

Nós demonstramos parcialidade quando julgamos com rigor determinados pecados, mas fazemos vista grossa a pecados maiores, como faziam os fariseus aos quais Jesus disse: “vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo”.

Os fariseus acabaram, mas o mundo — e inclusive a igreja — está cheia de coadores de mosquitos, apontando o dedo para pequenos delitos e deixando passar os maiores.

Como disse Jesus, somos peritos em ver o cisco no olho do nosso irmão, mas não vemos a trave no nosso próprio olho. Fazemos vista grossa aos nossos próprios defeitos, somos condescendentes com nossos filhos e toleramos os erros dos políticos que elegemos.

A balança de pesos nas mãos da justiça simboliza que a medida com que se julga deve ser justa.

Quando julgamos o nosso próximo, usamos como padrão um sistema de valores, fortemente influenciado pelo senso comum, o qual é uma sombra esquálida da verdadeira justiça, a justiça de Deus.

“Vocês julgam segundo a carne", disse Jesus aos fariseus. Em outras palavras, os padrões que vocês usam estão totalmente corrompidos pelo pecado. De fato, o pecado comprometeu seriamente a nossa capacidade de julgamento.

Você já deve ter ouvido a expressão dois pesos e duas medidas, o que talvez você nãos saiba é que ela remonta à lei de Moisés, na parte em que Deus diz: “não tenham na bolsa dois padrões para o mesmo peso, um maior e outro menor."

O que Deus está dizendo é que não podemos ter dois padrões de comparação, um maior é outro menor, um mais rigoroso para os outros e um mais flexível para mim.

A justiça não carrega nas mãos apenas a balança, ela carrega também a espada, porque todo julgamento resulta em absolvição ou condenação. Nós estamos o tempo todo condenando, colocando no ostracismo, atirando pedras, etc.

Certa vez, o profeta veio a Davi e lhe apresentou o caso de um fazendeiro rico que, tendo em seu curral ovelhas em abundância, matou para seus convidados a única ovelha do seu vizinho.

O profeta perguntou a Davi o que se deveria fazer nessa situação e Davi respondeu que o fazendeiro deveria ser morto, sem saber que o fazendeiro em questão era ele próprio.

Se a mesma tática fosse usada conosco, nos também condenariamos os outros por fazerem o que nós fazemos, mas que não conseguimos enxergar em nós.

Nós estamos o tempo todo julgando a nós mesmos, quando julgamos os outros, porque, segundo Jesus, a medida que nós usamos para medir será usada para nos medir também.

Disse Jesus: “Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados.”

Devemos evitar fazer algo que é bem comum nos dias de hoje, que é julgar por esporte; julgar apenas pelo prazer de julgar.

Não tem nada mais hipócrita do que julgar os outros, sendo nós também pecadores, como aquele senador paladino da justiça que depois foi flagrado envolvido com corrupção.

“Quando você, um simples homem, julga os outros, mas pratica as mesmas coisas, pensa que escapará do juízo de Deus?”

Ou como disse Jesus: “Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão.”

Sempre ouvi meu pai dizer que quando você aponta o dedo para o outro, tem três dedos apontando pra você, o que não está na bíblia mas é verdade.

Se qualquer tipo de julgamento fosse proibido, cristãos não poderiam ser juízes, nem árbitros nem pais. Tampouco a igreja poderia julgar a ação dos seus membros, o que claramente é uma ordenança de Cristo.

O ponto é o seguinte: Existem situações em que somos chamados a julgar; em todas as outras deveríamos nos abster.

Para o apóstolo Paulo, ofato de haver litígios entre irmãos é uma completa derrota, em muitos sentidos, primeiro porque significa que existem irmãos causando prejuízos a outro irmão e, segundo, porque a parte prejudicada deveria sofrer o prejuízo, em vez de buscar a justiça em busca de reparação.

Todavia, o apóstolo propõe uma solução menos escandalosa do que irmãos recorrendo à justiça (dos ímpios) contra irmãos, que é a solução do litígio por um árbitro cristão.

Pois bem, se é recomendável ao irmão prejudicado que absorva o prejuízo, porque criar um mecanismo de reparação no contexto da igreja? Não seria uma contradição? De modo algum.

O alvo da justiça em uma sociedade redimida deve a restauração do transgressor, não a reparação da parte prejudicada.

Neste sentido, o fato de estarmos dispostos a absorver o prejuízo, não significa que não devamos levar o nosso irmão a juízo e exigir reparação.

Muito pelo contrário, se eu amo o meu irmão, tenho o dever de confrontá-lo para o seu próprio bem. Se ele não se arrepender, eu devo levar o assunto ao juízo da igreja, para que aprenda a agir com justiça.

Contudo, em todo este processo o que deveria estar em jogo não é a minha reparação, mas sim a disciplina e restauração do meu irmão.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.