Se o evangelho fosse uma obra de ficção, dificilmente o autor escolheria a transformação da água em vinho em um casamento como primeiro milagre de Jesus. Teria escolhido alguma necessidade, digamos, menos supérflua do que a falta de vinho em uma festa. E daí que os noivos ficariam mal falados perante os convidados?
Haviam tantas necessidades mais urgentes, tantas pessoas enfermas, tanta gente passando fome e, no entanto, esse foi o primeiro milagre de Jesus. É um milagre tão inexplicável que os teólogos mais sisudos procuram encontrar um sentido mais profundo no milagre, algum simbolismo oculto, para além da necessidade dos noivos.
É bem verdade que, se dependesse de Jesus, aquele milagre provavelmente não teria acontecido, considerando que a sua hora de se manifestar ao mundo ainda não tinha chegado. O relato dá a entender que o milagre ocorreu por iniciativa de Maria, que provavelmente se solidarizou com os pais dos noivos, e viu na divindade do seu filho uma chance de salvar aquela festa.
“Eles não tem mais vinho”, disse ela, como que pedindo ao filho, como mãe, que ele fizesse alguma coisa. Os irmãos católicos gostam de dizer, neste ponto, que a prece de Maria é mais eficaz do que a nossa, porque se trata de um pedido de mãe, contudo a resposta de Jesus contradiz este entendimento.
“Que temos nós em comum, mulher?”, disse ele, separando bem as coisas. Ela tinha vindo até ele não como filho, mas como Senhor. Nessa condição eles não tinham nada em comum, ou seja, já não era mais uma relação de mãe e filho. No fim ela conseguiu o seu milagre, não por ser mãe, mas por ser uma mulher de fé. Ainda não era o tempo de Jesus se manifestar, mas a fé de Maria fez o tempo; ela não aceitou um não como resposta.
Jesus poderia ter respondido algo como o texto de Tiago 4, poderia ter se negado a realizar o milagre e dito vocês pedem e não recebem porque pedem mal, para gastar em vossos deleites, contudo a que propósito serviu o milagre, senão para deleite dos convidados, que ficaram impressionados com a qualidade do vinho dos céus, muito mais agradável e saboroso que o vinho comprado pelos noivos?
E mesmo assim Jesus o fez é trouxe alegria e magia para aquele casamento, no sentido fantástico do termo, aquele tipo de magia que transforma um momento ordinário em extraordinário. Ainda não dava para resolver todos os problemas do mundo — como não dá até hoje — , mas ali estava os céus reunidos para tornar especial uma festa de casamento, porque uma mulher ousou pedir.
Isto mostra que a primeira parte de Tiago 4 explica melhor a nossa situação do que a segunda parte que já mencionei. Se o Senhor não tem multiplicado a água em vinho em nossos momentos de festa, quem sabe não seja simplesmente porque não ousamos pedir, como fez Maria. Vocês cobiçam é nada tem, porque não pedem, disse Tiago. Bem, esse não era o caso de Maria, esta mulher de fé. Ainda não era o tempo, mas ela pediu mesmo assim. Aquele poder poderia ser melhor empregado, mas ela pediu mesmo assim.
No fim, temo que se trate mais da fé com que pedimos, do que propriamente do pedido em si. Se os convidados da festa se deleitaram com o vinho dos céus, os céus se deleitaram com a fé de Maria, a bem-aventurada. Se a Bíblia relata Deus perguntando para Satanás se ele tinha visto Jó, imagino que nós sejamos o assunto das conversas no céu; somos um espetáculo aos anjos, como escreveu o apóstolo Paulo.
E o que chama a atenção dos céus, o que é motivo de festa por lá, são as nossas virtudes, é a nossa ousadia de pedir, é a nossa confiança em Deus até nas pequenas coisas. Se é importante para nós, é importante para Deus, quer seja um vestibular que vamos prestar, o primeiro encontro com a pessoa amada, a festa de casamento o nascimento do primeiro filho ou uma simples dor de cabeça. Deus está lá para dizer sim, ainda que não seja a hora, se tivermos fé.
No fim é disto que se trata, da fé.
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.