O mel do leão

March 8, 2019

Sansão é um dos personagens mais complexos e multifacetados da Bíblia. É uma pena que muitos o reduzam a um herói de história infantil. Nasceu de uma mulher estéril, destinado a ser um libertador de Israel. Só esqueceram de combinar com o próprio Sansão, cuja história começa já na contramão do seu chamado, com ele se apaixonando e, posteriormente, se casando com uma mulher do povo inimigo; não sem antes enfrentar um leão no percurso e rasgá-lo ao meio, como se fosse um cabrito. O que este episódio tem de brutal, o episódio seguinte tem de belo.

Outro dia, ao passar pelo mesmo caminho, Sansão teve a curiosidade de ver o cadáver do leão, é nele havia um enxame de abelhas e mel. Tirou o mel com as mãos e o foi comendo pelo caminho. Quando voltou aos seus pais, repartiu com eles o mel, e eles também comeram. Mas não lhes contou que tinha tirado o mel do cadáver do leão. Em sua festa de casamento, Sansão propôs um enigma com uma aposta aos seus trinta pajens — todos filisteus: “Do que come saiu comida; do que é forte saiu doçura”. Durante três dias eles não conseguiram dar a resposta, então forçaram a esposa de Sansão a descobrir a resposta do enigma.

Este episódio do leão nos diz muito sobre este nosso personagem, sobre sua capacidade de ver poesia e significado onde a maioria das pessoas não veem nada; como no voo de um borboleta ou na chuva que cai sobre a janela. Sansão é perspicaz e inteligente, do contrário não teria elaborado um enigma permeado de metáforas. Ele é o próprio leão, é mais do que força; dele emana doçura, sensibilidade e paixão. Sansão tem um destino traçado por Deus, mas ele também é gente como a gente, com suas idiossincrasias. E por acaso Deus não sabia quem ele era quando o escolheu? E mesmo assim o escolheu, se afeiçoou por ele, quando poderia ter escolhido qualquer outro. Deus amava Sansão do jeito que ele era, mesmo que este amor não tenha sido recíproco no começo.

A personalidade até certo ponto inocente de Sansão o tornava suscetível de ser iludido, enganado e traído, uma fraqueza que o inimigo soube aproveitar muito bem. Quando Sansão se apaixonou por uma filisteia, os seus pais tentaram dissuadi-lo da ideia, no entanto diz a Bíblia que aquele era um plano de Deus. Em que sentido? Às vezes uma pessoa pode estar tão envolvida com uma mentira, tão iludida com o mundo, que apenas falar não resolve; é gastar saliva. Ela precisa enxergar com os próprios olhos a horrenda face do inimigo por trás da máscara, num processo de desilusão tão doloroso quanto necessário.

O enigma do leão marca o início da hostilidade entre Sansão e os filisteus, num processo de ação e reação que se repetiria por toda a história. Cada ação negativa do inimigo gera nele uma reação de decepção e revolta, que o aproxima mais e mais do seu chamado, até fazer dele o líder em Israel que ele estava destinado a ser. Ele liderou Israel durante vinte anos, até o ponto de no auge do seu ministério tornar-se conhecido como “devastador” pelo inimigo. Quando pensamos que finalmente ele aprendeu a lição, ele conhece Dalila e volta a incorrer novamente no mesmo erro, como um viciado que volta a fumar depois de muitos anos.

O inimigo se aproveitou da sensibilidade de Sansão, do seu coração apaixonado, para afastá-lo de Deus. Talvez ele acreditasse — como diz a canção — que quem tem promessa de Deus não morre não. Ele nem mesmo percebeu que o Espírito Santo tinha se afastado dele, quando marchou contra o inimigo convicto de que seria como das outras vezes; mas não foi. Arrancaram os seus olhos, sua capacidade de ver o belo. Fizeram dele escravo, um motivo de chacota. Ele era o próprio leão, que um dia se julgou invencível, mas que foi rasgado ao meio e jogado a beira do caminho.

O que o inimigo não sabia é que do leão ainda emanaria doçura e libertação para o seu povo, ainda que a contragosto, porque no fim ele sacrificaria a própria vida para dizimar o inimigo, mais por vingança pessoal, pelos seus dois olhos, do que propriamente por amor do seu povo ou obediência a Deus. Quem foi Sansão? Talvez a palavra que melhor o descreva seja “humano”, como que de melhor e pior esse termo possa significar; ele era como nós em muitos sentidos. Isso não impediu que Deus o amasse, nem que pudesse concluir o seu plano na vida dele, mas que tornaram as coisas difíceis e o caminho tortuoso, ah tornaram.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.