Antes que vocês pensem que estou ficando louco, ou coisa do tipo, saibam que falar aos objetos não é uma inovação minha, antes outros pregadores, incluindo o próprio Jesus pregaram a objetos e até a animais. Existe um milagre atribuído a Santo Antônio, que aconteceu após ele entrar no templo para pregar, tendo sido pego de surpresa ao não encontrar nenhuma audiência para ouvi-lo. Saindo do templo, percebendo que o povo não quis ouvir a palavra, resolveu pregar aos peixes. Olhando as águas do rio começou a chamar: “Irmãos peixes. Os homens esquecem-se de Deus. Por isso aqui estou para vos falar”. Os peixes foram surgindo, pondo a cabeça fora d’água, para ouvi-lo atentamente.
Anos mais tarde, o padre Antonio Vieira, inspirado no sermão de Santo Antônio, preparou também um outro sermão aos peixes, que extrapolou os limites da religião e entrou para a história como uma obra-prima da literatura em língua portuguesa [perceba que pregar aos peixes já rendeu muitos frutos]. Se estes homens pregaram aos peixes, porque eu não haveria de pregar aos objetos?
Meu primeiro sermão, portanto, será dirigido aos bancos da igreja, para quem já preguei em muitas ocasiões, dirigindo meu sermão muito mais às pessoas que não estavam do que para eles que estavam. Estou em dívida, portanto, com essa audiência fiel, que, se não responderam aos meus apelos, de certo é porque nenhum pecado têm a confessar, uma vez que estão sempre aqui na casa de Deus.
O pecado mais bem é do pregador, que em vinte anos de ministério não foi capaz de ajudar esses bancos vazios a cumprirem o propósito para o qual foram consagrados, qual seja o de servirem de assento aos ouvintes da palavra de Deus. Eles podem não ser muito confortáveis, mas de modo algum podem ser culpados pela ausência dos ouvintes, antes a parte deles eles fizeram, acomodando qualquer um, sem fazer acepção de pessoas [o mesmo não se pode dizer de muitos que sentam sobre eles].
Meu segundo sermão será às pedras, que pensei ser o mais difícil, por supor terem as pedras o coração duro, se é que elas têm coração [são pedras!]. Percebi que estava enganado, as pedras tem sim coração e talvez seja mais sensível que o coração de muitas pessoas, porque Jesus disse a respeito delas, que se os seus discípulos se calassem, as pedras clamariam.
Parece ser o propósito [ou a sina] das pedras fazer o que os humanos deveriam fazer, porque quando todo o exército de Israel estava acovardado foi às pedras que Davi recorreu é foi com uma delas que ele acertou a fronte do gigante. Com tantos soldados e oficiais, foi uma pedra, uma simples pedra que o matou. Todos elogiam a Davi, mas ninguém se lembra da abençoada pedra, por isso nada mais justo do que dedicar-lhe um sermão.
Meu terceiro sermão será às estrelas do céu, esses corpos celestes que são evangelistas por natureza. No passado elas conduziram reis a Cristo, para o adorarem; o brilha delas conduzia a ele. Não pense que eu não sou o primeiro a me dirigir às estrelas, antes de mim o salmista escreveu: “louvem o Senhor, sol e lua; louvem-no, todas as estrelas luzentes”. Abraão não as conseguiu contar, mas está escrito que Deus as chama cada uma pelo nome; e elas respondem ao seu chamado. Se Deus a chama pelo nome e elas respondem, se o salmista as convocam a louvarem ao Senhor e elas louvam, porque eu não haveria de pregar para elas?
Existe muito a ser dito às estrelas do nosso tempo, especialmente àquelas cujo brilho deixou de apontar para Deus e passou a apontar para si mesmas. No passado houve uma estrela que caiu do céu por querer brilhar mais do que Deus, e consegui arrastar consigo a terça parte das estrelas do céu, mas o estrago não parou por ai; muitas estrelas continuam a ser arrastadas do céu pelo mesmo pecado.
Por último, pregarei ao sal, que na parábola de Jesus representa a igreja, mas que já viveu dias melhores. Não que o sal não seja importante nos dias de hoje — ele ainda serve para dar sabor — mas no passado ele já foi o principal agente de conservação; seu papel era preservar a vida e combater os agentes nocivos à saúde. Hoje parece que o sal só quer agradar o paladar das pessoas, tornando-se ele próprio um mal em si mesmo.
Ao longo do mês mais do que pregar, profetizarei que os bancos vazios se encherão de gente para ouvir a palavra de Deus, profetizarei que se os discípulos não se despertarem do seu sono, Deus levantará as pedras para clamarem. Pregarei contra as estrelas egoístas e contra o sal insípido, que perdeu sua essência. Se os homens não tem dado ouvido à mensagem, quem sabe os objetos a ouçam.