Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso

August 22, 2018

Que vantagem há então em ser judeu, ou que utilidade há na circuncisão?Muita, em todos os sentidos! Principalmente porque aos judeus foram confiadas as palavras de Deus. Que importa se alguns deles foram infiéis? A sua infidelidade anulará a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso. Como está escrito: “Para que sejas justificado nas tuas palavras e prevaleças.”

Na época do apóstolo não era fácil manter um diálogo à distância com seus interlocutores [não havia redes sociais], por isso o apóstolo se antecipava aos seus críticos, fazendo ele próprio as perguntas que eles fariam.

Neste texto em especial, ele parece se colocar no lugar de interlocutores bem irritantes, um perfil que deveria ser comum entre seus destinatários. [Pensando bem, os interlocutores de Paulo não eram tão diferentes dos atuais.]

Se no capítulo dois de sua carta aos romanos, o apóstolo Paulo coloca os judeus no mesmo patamar dos gentios [na vala comum dos pecadores], no capítulo três ele se vê obrigado a explicar-se, para não ser mal interpretado.

Imagine um cara chato [desses que existem hoje, principalmente nas redes sociais] importunando o apóstolo Paulo as seguintes perguntas:

— Se os judeus são como os gentios, então qual a vantagem em ser judeu? Se a circuncisão é interior, então qual a utilidade da circuncisão exterior? Se existe uma nova aliança, então a aliança anterior falhou?

Não que o apóstolo devesse satisfação estes destinatários inconvenientes, ou que ele se envolvesse em discussões inúteis. Sua preocupação era evitar que estas objeções ao seu ensino pudessem influenciem os demais.

O apóstolo explica que, ao contrário do que poderia parecer por suas palavras, ele reconhecia sim determinadas vantagens em ser judeu, em primeiro lugar porque a eles foram confiados os oráculos de Deus.

Ainda que naquele momento pudesse parecer para alguns que o plano de Deus com relação aos judeus houvesse falhado, os planos de Deus estavam em franco desenvolvimento.

Não se pode, jamais, cogitar que o plano de Deus tenha falhado, que a sua palavra não tenha se realizado ou que as suas promessas não tenham se cumprido.

Algum defensor do apóstolo poderia argumentar:

— Tudo bem, a promessa de Deus falhou, mas falhou por causa dos judeus.

É mais fácil confrontar alguém que nos critica do que alguém que nos defende, mas o apóstolo não aceitava ser defendido com argumentos condescendentes como este.

— Que importa se alguns deles foram infiéis? — rebate o apóstolo. — Acaso a infidelidade deles anulará a fidelidade de Deus? [ou acaso a nossa própria infidelidade ou falta de fé (apistia) anularia a fidelidade de Deus?]

— De maneira nenhuma! — responde o apóstolo. Jamais!

Mesmo que parte dos judeus houvessem sido infiéis, a infidelidade deles não anulava a fidelidade [confiabilidade] de Deus, porque a fidelidade de Deus não está condicionada à nossa.

— Seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso — diz o apóstolo, e fundamenta com um texto bíblico: — Como está escrito: “Para que sejas justificado nas tuas palavras e prevaleças.”

Aqui, como bom pregador da palavra, o apóstolo faz uso de um texto das escrituras para aprofundar seus argumentos, mais particularmente do salmo confessional que Davi escreveu, depois de ter cometido adultério com Bate-Seba.

No Salmo, Davi escreve:

— Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, [confesso isto] para que sejas justificado quando falares e puro quando julgares.

Um dos propósitos de Davi confessar publicamente seu pecado é para que Deus pudesse ser justificado e puro. Obviamente, Deus não pode ser mais justo ou puro do que ele é, mas ele pode ser mais justo e puro à vista das pessoas.

Se Davi não confessasse publicamente o seu pecado, e por causa do pecado ele fosse castigado por Deus, as pessoas veriam apenas o castigo, mas não saberiam o motivo, então pensariam que Davi estava sendo injustiçado por Deus.

As pessoas diriam coisas como:

— Se ele é servo de Deus, porque ele está sofrendo essas coisas?

Provavelmente, houve um momento em que o próprio Davi pensou que não merecia punição pelo seu pecado; achou que Deus estava errado. [E por acaso nós também não pensamos o mesmo às vezes?]

Então Davi faz questão de deixar claro o quanto ele é pecador e o quanto Deus é misericordioso, e justo e puro. Quero que se saiba e que fique claro”, diz Davi, “que tu és absolutamente justo em tudo o que estás fazendo.”

Um dos males do mundo moderno é que escolhemos o caminho do vitimismo, em vez do caminho da confissão. Queremos que as pessoas pensem que não merecemos as nossas lutas.

— Eu estou certo e todos os outros estão errados, inclusive Deus — pensam muitos.

Mas Davi pensava diferente:

— Deus está certo e todos os outros estão errado, inclusive eu.

É isto que o apóstolo Paulo quer dizer, quando diz: “seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso.” Deus sempre faz o que é certo; sim, ainda que o mundo inteiro esteja errado, Deus continua certo.

‘Davi está dizendo que, quando os fatos finais forem revelados, Deus será justificado, e o mundo terá que admiti-lo, como ele próprio teve que admitir agora, que Deus está certo, e somente ele estava errado.

Devemos ser muito cautelosos quando falamos expressando as nossas opiniões acerca de coisas que não entendemos plenamente, em especial acerca de Deus e seus caminhos.

Pois bem, isto se aplica a todos nós, porque, lamentavelmente, quando talvez estejamos sendo castigados, ou quando estamos passando por tempos difíceis, inclinamo-nos, como estes judeus e outros, a fazer perguntas.

“Não posso entender por que…”, dizemos. Esse é o tipo de coisa da qual o apóstolo diz: “De maneira nenhuma!” Você não entende? Muito bem, se você não entende, tenha o cuidado de não falar, tenha o cuidado de não falar de um modo que esteja blasfemando de Deus.

Seja cauteloso! Ponha a mão na boca, como fez Jó. (…) Quando você estiver enfrentando ou tentando resolver um problema difícil, é sempre bom e sábio começar com alguma coisa da qual você esteja absolutamente certo [no caso, a justiça de Deus].

Quando tiver que explicar o desconhecido, parta de algo conhecido.’[Martin Lloyd Jones]


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.