Um estudo sobre a relação de Jesus com a política
Não é de hoje que as pessoas tentam alinhar Jesus às suas ideologias políticas, desde sempre foi assim. Jesus nasceu em um tempo caótico politicamente, em que os judeus estavam sob domínio do império romano. Na época, havia um havia um sentimento revolucionário no ar, especialmente da parte dos zelotes, uma ala radical do farisaísmo, que culminaria na destruição do templo de Jerusalém no ano setenta depois de Cristo.
O nacionalismo judaico fez emergir, durante o período intertestamentário, a esperança pela vinda do messias prometido pelos profetas. O que eles esperavam, na verdade, era a vinda de um líder político que derrubaria o jugo romano e estabeleceria um reino terreno para o povo de Israel, embora não houvesse um consenso sobre como isso se daria.
Os zelotes acreditavam na luta armada contra os romanos e esperavam um Messias guerreiro, um revolucionário, mas havia também uma crença popular de que o Messias seria um profeta que realizaria sinais miraculosos.
Isto explica porque, no auge da popularidade de Jesus, após o milagre da multiplicação dos pães, tenha surgido “um movimento espontâneo, no qual as multidões tentaram tomar Jesus pela força, para fazê-lo rei na esperança de que ele pudesse ser persuadido a empregar seus notáveis poderes para derrubar o jugo pagão e livrar o povo de Deus de sua odiosa escravidão e, dessa forma, inaugurar o Reino de Deus” (Ladd).
Segundo as escrituras, pressentindo o que estava para acontecer, Jesus retirou-se sozinho para o monte. O fato de retirar-se sozinho, sem os seus discípulos, mostra que até mesmo eles estavam inflamados pelo ideal revolucionário. Foi por recusar-se a desempenhar tal papel [e por pregar o evangelho], que muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo e a sua popularidade esvaneceu-se.
A questão é que, para Jesus, o problema social não era de ordem política, mas espiritual. Ele veio de fato como um libertador, mas um libertador da escravidão do pecado e não do jugo romano; sua estratégia era sua morte e ressurreição, não a insurreição. Todavia, os fariseus insistiam em envolver Jesus no debate político daquele tempo e buscavam a polêmica a todo custo.
“Qual é a tua opinião? É certo pagar imposto a César ou não?”, perguntaram-lhe certa vez. E todos nós conhecemos a genial resposta de Jesus sobre dar a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus. “Este pronunciamento de Jesus tem sido interpretado da perspectiva de dois reinos, o reino dele e o de César, que não rivalizam entre si. O Reino de Deus, inaugurado por meio do ministério de Jesus, não anula nem suplanta os reinos políticos da era presente.”
Embora estivessem sob o jugo romano, os judeus contavam com uma certa liberdade política. Desde o fim da monarquia [com a deportação para a Babilônia], a autoridade política tinha passado para os líderes religiosos, que governavam por meio do Sinédrio, um colegiado de setenta e uma pessoas. As seitas religiosas em que os judeus se dividiam correspondiam de certa forma aos nossos partidos políticos. Os saduceus, procedentes de famílias aristocráticas, aceitavam a ocupação romana, os fariseus, por outro lado, opunham-se ao império.
No entanto, Jesus não se alinhou politicamente a nenhum desses partidos, não usou sua influência sobre as multidões em favor de nenhuma causa política, pelo contrário, manteve sempre o debate no campo religioso. Não se curvou a Roma, o poder constituído — chamou Herodes de raposa, quando este procurou prendê-lo — , mas também não manifestou apoio ou simpatia por movimentos revolucionários ou nacionalistas, mesmo que isso significasse decepcionar o espírito da época [se fosse hoje, ele não seria de direita ou de esquerda].
Ao rejeitar o papel de messias político, Jesus se viu isolado e perseguido. Existe, inclusive, uma teoria de que Judas Iscariotes teria sido membro da seita dos zelotes e que entregou Jesus ao Sinédrio por por Jesus não teria correspondido aos seus ideais políticos. Mesmo naquele momento, quando Judas traiu Jesus e este foi preso, os discípulos estavam dispostos à luta armada. Um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha.
Disse-lhe Jesus: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão.” Naquela hora Jesus disse aos seus algozes: “Estou eu chefiando alguma rebelião, para que vocês venham prender-me com espadas e varas?” [não, ele não era um líder revolucionário]. Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram, obviamente mais por desilusão do que por medo.
Diante de Pilatos, acusaram Jesus falsamente de ser um revolucionário [uma acusação política]: “Encontramos este homem subvertendo a nossa nação. Ele proíbe o pagamento de imposto a César e se declara ele próprio o Cristo, um rei.” Ao anunciar o reino de Deus, Jesus deixa bem claro claro que não identifica esse reino com una libertação nacional do jugo romano. “O meu Reino não é deste mundo”, disse Jesus. “Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui.”
Ao dizer que “agora” o seu Reino não é daqui ele deixa implícito que um dia o seu Reino haverá sim de ser daqui. Um dia ele voltará não mais pacificamente, montado num jumentinho, mas virá como um rei guerreiro montado num cavalo branco; então sim o seu Reino será político, mas ainda não.
Os discípulos ainda não haviam entendido este fato. Após a aparente derrota no Calvário, os dois de Emaús expressavam sua desilusão: “Nós esperávamos que fosse Ele quem iria redimir Israel” (Lc 24,21). E mesmo após a ressurreição, eles persistiam em seu ideal nacionalista. “Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino a Israel?”, perguntaram-lhe, pouco antes de ascender aos céus. A exemplo daqueles, muitos discípulos dos dias atuais ainda insistem em querer associar o evangelho à política. Contudo, “nunca lemos no Novo Testamento sobre Jesus ou qualquer um dos apóstolos gastando qualquer tempo ou energia em ensinar os crentes a reformar o mundo pagão de suas práticas idólatras, imorais e corruptas através do governo.”
Não é que que Deus não se envolva com política. Política relaciona-se com poder, um assunto que é sim do interesse de Deus e do qual ele participa ativamente. Segundo as escrituras, “o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer”. No entanto, o Jesus homem estava sujeito à limitação temporal, como qualquer pessoa, logo — dado o tempo exíguo que tinha — ele não podia se dar ao luxo de se envolver com a política. Sua missão não era apenas apolítica, estava acima da política; e o mesmo vale para a missão da igreja.
Não é que nós também não devamos nos envolver. Embora a nossa cidadania esteja nos céus, ainda vivemos nesta terra. Temos dupla cidadania na verdade, porque ainda somos cidadãos aqui e, segundo o apóstolo, devemos exercer a nossa cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo. Exercer a nossa cidadania inclui obviamente participar da vida política e eleger bem os nossos representantes. Contudo, não adianta nos iludirmos com a política, como se a esquerda ou a direita fosse a solução para os problemas do mundo.
Não é que cristãos não possam ser governantes. Este assunto não é abordado no Novo Testamento porque, obviamente, não estava ao alcance dos cristãos da época. Se o apóstolo Paulo fosse perguntado a respeito, ele provavelmente diria: “Cada um permaneça na condição em que foi chamado”. Contudo, não podemos elaborar uma teologia segundo a qual os cristãos na vida pública façam parte de um projeto de poder de Deus, algo como uma teocracia para o tempo presente. Isto não é bíblico.
É que a melhor solução ainda é espiritual. A igreja voltar-se para a política revela uma certa desilusão com o evangelho, enquanto solução para os problemas do mundo. Se o aumento numérico dos cristãos não repercutiu em uma melhoria política e social, nossa preocupação enquanto igreja deveria ser uma revisão do evangelho que temos pregado e não uma maior participação política.
O evangelho ainda é revolucionário!
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.