Qualquer pessoa sabe — por experiência própria — que a preocupação e, dependendo da gravidade, o desespero são as duas reações mais comuns diante das crises. Estas duas reações estão associadas, na verdade, a uma sensação de impotência diante do problema, porque ninguém se preocupa diante de uma situação que sabe ser capaz de superar.
Notem que eu atribuí a preocupação à nossa sensação de impotência e não à nossa impotência, e uma sensação não necessariamente condiz com a realidade. Ela decorre do nosso diagnóstico da crise, seja do seu potencial ofensivo ou da nossa capacidade de enfrentá-la, e nem sempre o nosso diagnóstico está correto. Na prática, a crise pode ser menor ou maior do que pensávamos.
Isto significa que a nossa preocupação e desespero não tem tanto a ver com a realidade em si, mas sim com a nossa percepção dessa realidade e com a leitura que fazemos dos fatos. Esta percepção diz respeito não tanto ao que vemos, mas à forma como vemos, porque nós não apenas vemos, nós também interpretamos o que vemos.
Os nossos olhos estão a serviço da nossa mente. Quando vemos um leão, corremos não porque os nossos olhos viram o leão, mas porque, em nossa mente, sabemos o perigo que ele representa. Isto significa que ninguém vê o mundo diretamente, nós o vemos através de lentes mentais, que usamos para enxergar a realidade.
Segundo o teólogo Mauro Meister, “quando olhamos para um mundo, colocamos sobre ele nossas ideias, visões, valores, convicções, e essas lentes mudam a forma como enxergamos o mundo.”
Por vermos o mundo com lentes diferentes, duas pessoas podem olhar para a mesma situação e reagirem diversamente, como, por exemplo, Eliseu e seu servo, os quais ao verem a cidade sitiada pelo exército inimigo agiram um com tranquilidade (“não tenha medo!”) e o outro com desespero (“o que faremos!”).
O problema com as lentes é que, se por um lado elas nos oferecem uma forma de ver o mundo, por outro lado, elas podem deturpar completamente a realidade diante de nós. No fim das contas, embora existam muitas formas de ver o mundo, na maioria das vezes existe uma forma correta de vê-lo — a forma que condiz com a realidade.
É evidente que, no caso de Eliseu e seu servo, apenas um estava vendo o mundo do jeito certo, dedutivamente aquele teve a reação mais adequada, considerando a conclusão da história. O outro não apenas via o mundo com lentes diferentes, como também o via de forma limitada e deturpada, por causa dessas mesmas lentes.
Embora muito provavelmente a lente com que vemos o mundo seja como uma digital — e Deus tenha dado para cada pessoa uma forma única e peculiar de ver o mundo -, a verdade é que a nossa cosmovisão é fortemente influenciada pela nossa cultura, que por sua vez é fortemente afetada pela corrupção do pecado.
Segundo Mauro Meister, “temos em nossa mente uma lente que herdamos pela queda, que se chama pecado. A partir da queda, começamos a enxergar o mundo de uma maneira distorcida.”
Enxergar de maneira distorcida é um tipo muito nocivo de cegueira, porque é a cegueira de alguém que pensa estar enxergando. Assim éramos nós, até a realidade ser descortinada diante de nós pela lente da palavra de Deus. Esta era a lente que Eliseu usava, quando disse: “Aqueles que estão conosco são mais numerosos do que eles”.
Uma cosmovisão espiritual enxerga a vida a partir de uma perspectiva bíblica; ela não ignora o relatório dos olhos, mas os interpreta com base no que a palavra de Deus diz.
No entanto, isto não acontece sem conflito, porque ainda temos postas as lentes antigas e, via de regra, recebemos diagnósticos mentais diferentes de uma mesma situação: recebemos o velho relatório negativo de que a crise é maior do que nós, e um novo relatório de que nenhuma crise é maior do que aquele está conosco. Agora, só devemos escolher em qual relatório acreditar; qual cosmovisão vai nos influenciar.
Embora o servo de Eliseu convivesse diariamente com o sobrenatural, ele tinha uma cosmovisão materialista, ou seja, ele só acreditava no que os seus olhos viam. Mesmo a afirmação de Eliseu não foi o suficiente para mudar a sua forma de enxergar o mundo, porque se ele tivesse crido na palavra, Eliseu não teria que orar para que Deus lhe abrisse a visão.
O fato de Eliseu ter orado para que ele pudesse ver mostra que ele estava cego, e eu temo que ele tenha continuado cego, mesmo depois de ver as colinas cheias de cavalos e carros de fogo, porque embora ele tenha visto o sobrenatural, ele viu o sobrenatural com as lentes erradas.
Diz a bíblia que quando Deus lhe abriu os olhos, ele viu as colinas cheias de cavalos e carros de fogo ao redor de Eliseu. No entanto, isto não é o que ele viu, mas a interpretação do que ele viu, porque se ele estava ao lado de Eliseu, é óbvio que os carros de fogo estavam também ao seu redor.
Em sua forma de interpretar os fatos, a proteção dos céus estava ali por causa de Eliseu e não por sua causa, muito embora o próprio Eliseu lhe houvesse dito anteriormente: “aqueles que estão conosco são mais numerosos”. Para mim, isto é prova mais do que suficiente do poder que uma cosmovisão tem para deturpar o que vemos.
Aquele rapaz se excluía da graça de Deus — provavelmente por causa da uma cosmovisão legalista -, muito embora Deus estivesse ali também por sua causa. Ele poderia ter saído renovado daquela experiência com Deus, pronto para enfrentar crises maiores do que aquela, porque Deus era com ele. No entanto, no máximo ele saiu grato pela sorte que tinha por estar ao lado do homem de Deus.
Que Deus nos ajude a ver o mundo com as lentes corretas.
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.