Sobre o crer que já recebemos

April 23, 2017

Portanto, eu lhes digo”, disse Jesus. “Tudo o que vocês pedirem [a Deus] em oração, creiam que já o receberam [o que pediram], e assim lhes sucederá.

Quem pede recebe

Embora a oração — o falar com Deus — tenha muitos propósitos, um dos seus objetivos é pedir a Deus. Isto mostra que, embora o Pai saiba do que precisamos, antes mesmo de o pedirmos, é vontade de Deus que nós lhe peçamos.

Será que receberíamos o que necessitamos, se não pedirmos? Bem, o apóstolo Tiago sugere que não, quando diz: “[Vocês] não têm, porque não pedem”. Ainda quanto a esta questão, vale lembrar, também, que Jesus disse que o pai sabe o que precisamos, antes mesmo de pedirmos, mas não diz que o pai nós dá o que precisamos, mesmo se não pedirmos.

De fato, não tem nenhuma lógica orarmos por algo que receberíamos de qualquer maneira. É óbvio que Deus nós dá muitas coisas que não pedimos, mas existem coisas que só recebemos se pedirmos. E se tem uma lição que a parábola do filho pródigo ensina é que o filho que pede mais recebe mais, para bem ou para mal.

Tiago ensinou o mesmo

Existe muita similaridade entre este ensino de Jesus sobre a oração e a oração por sabedoria ensinada pelo apóstolo Tiago — o que mostra que os discípulos aprenderam a lição.

Jesus diz: “Tudo o que vocês pedirem […] assim lhes sucederá”. Tiago diz: “Se algum de vocês tem falta […], peça-a a Deus […]e lhe será concedida.” Ambas as passagens dão como certo o sucesso da oração, ao passo que Tiago ainda oferece uma razão para tanto: “[Deus] a todos dá livremente, de boa vontade”, o que mostra que é a vontade de Deus nos dar livremente o que lhe pedimos em oração [por boa vontade devemos entender mais do que vontade; um prazer].

Enquanto Jesus diz “creiam que já o receberam [o que pediram]” Tiago diz “Peça-a, porém, com fé, sem duvidar”. E torna a necessidade de fé ainda mais clara, quando diz: “Pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento.”

Tiago termina o seu ensino com uma sentença inapelável: “Não pense tal pessoa [a que duvida] que receberá coisa alguma do Senhor.” Como se nota, Jesus e Tiago estão falando do mesmo tipo de oração, uma oração que conta com o “sim” de Deus; um Deus que tem boa vontade em abençoar os seus filhos livre e gratuitamente.

A fé é necessária para o ministério

A carta de Tiago conta ainda com uma outra aplicação da oração de fé. “Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará.

Nesta passagem Tiago harmoniza dois ensinos de Jesus sobre a oração: o ensino sobre a oração de fé; e o ensino sobre a oração em seu nome.

A garantia que Jesus oferece quando diz “o que vocês pedirem […] assim lhes sucederá”, o apóstolo Tiago também oferece quando diz “A oração […] curará o doente; o Senhor o levantará.

E mais uma vez, a condição da fé está presente. A fé é necessária tanto por parte de quem recebe a oração, quanto da parte de quem faz a oração; e muito mais da parte de quem faz, porque embora possamos apontar exemplos de situações em que o beneficiário da oração não demonstrou fé [como o paralítico de Betesda, que talvez nem soubesse quem era Jesus], não se pode apontar nenhum milagre operado por um ministro incrédulo.

Isto fica claro no evangelho de Marcos, quando Jesus diz que “Estes sinais seguirão os que crerem […] Em meu nome imporão as mãos sobre os enfermos, e eles serão curados”, e fica claro nesta carta de Tiago quando diz “A oração feita com fé [por parte do presbítero] curará o doente”.

Os exemplos em Tiago — oração por sabedoria e por cura divina — também são um indicativo do que Jesus tinha em mente quando ensinou seus discípulos sobre o poder da oração feita com fé, e diz muito sobre o que nós, como discípulos, deveríamos pedir em oração.

No entanto, isto não significa que a oração esteja restrita ao ministério, ou bênçãos espirituais, porque a Bíblia também diz: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus”.

Sobre o não de Deus

Alguns teólogos, como R C Sproul, parecem sugerir que o “creiam que já o receberam” significa crer que já recebemos a resposta de Deus, não o que pedimos. O propósito desta interpretação é justificar o não receber como sendo um “não” de Deus.

Ora, é necessário torcer muito o texto, para chegar a essa conclusão, especialmente quando olhamos para o versículo paralelo em Mateus, onde diz: “E tudo o que pedirem em oração, se crerem, vocês receberão.” É evidente que receberemos não uma resposta à oração, mas sim o que pedimos em oração.

Ao interpretar o texto dessa maneira, Sproul parece estar preocupado em que não se crie “uma teologia toda baseada quase que exclusivamente sobre este texto” [como fazem os da teologia da prosperidade]. Esta é uma preocupação válida, mas não justifica uma má interpretação do texto bíblico.

Se não se pode criar uma teologia toda baseada neste texto, também não se pode criar teologia negando ou mutilando este texto.

Dois tipos de oração

Não podemos simplesmente ignorar o que Jesus diz aqui, como se ele não tivesse dito o que disse, ou como se ele quisesse dizer algo totalmente diferente.

Ao contrário do que propõe Sproul, o“creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá” dito por Jesus pressupõe uma aprovação tácita à oração do pedinte. É como se Jesus dissesse para orarmos contando com o “sim” de Deus, em vez de ficarmos esperando por um “sim” ou “não”.

De que outra forma poderíamos orar crendo que já recebemos o que pedimos? Todavia, não significa que você não possa orar por um sim ou não de Deus — Até Jesus e Paulo já receberam um não — , mas este tipo de oração intercessora, que busca conhecer ou mudar a vontade de Deus, não se encaixa no tipo de oração a que Jesus se refere aqui, porque é inconcebível que você ore “crendo que já o recebeu”, para depois receber um “não” como resposta.

Uma fé que age

Desde o começo do ensino de Jesus, a figueira seca, o “tenham fé em Deus”, o falar ao monte e agora o orar crendo que recebeu, tudo parece ser um chamado à ação direta. Esta não é uma fé que espera, é uma fé que age.

É como se Jesus dissesse: tenham fé que Deus fará o que vocês disserem ou fará suceder o que vocês pedirem. É como se Jesus lhes estivesse dando uma liberdade de ação, uma esfera na qual eles poderia agir livremente, limitada por certos princípios e sujeita a certas condições.

Não busquem saber a vontade de Deus para todas as situações, mas confiem na livre iniciativa de vocês, porque vocês serão guiados pelo Espírito.

No fim, acho que este texto é mais sobre a fé de Deus em nós, seus eleitos, do que sobre a nossa fé nele. Deus confia que, conhecendo a sua palavra, e dirigidos pelo Espírito, pediremos as coisas certas.

Ele confia que os seus eleitos não vão sair por ai querendo voar como o Superman, ou querendo enriquecer a qualquer custo, mas agiremos com fé e ousadia, dentro da esfera do nosso chamado, usando os nossos dons na proporção da nossa fé.

Posse e propriedade

“Creiam que já o receberam” é a condição apresentada por Cristo para que suceda o que pedimos em oração. É interessante o tempo verbal usado por Jesus nesta passagem, porque diz “creiam que já o receberam” ao invés de “creiam que receberão” no futuro.

Isto faz sentido quando pedimos algo abstrato, como sabedoria, por exemplo, mas não faz muito sentido quando pedimos algo material, como o pão nosso de cada dia, porque o pão de cada dia — exceto o maná no deserto— não cai do céu; temos que trabalhar para comer.

É bem provável que a resposta para esta questão esteja no conceito jurídico de propriedade e posse. Propriedade é quando você é dono de um bem, e posse é quando o bem está com você. Vemos estes conceitos de posse e propriedade presentes no Antigo Testamento, após Canaã ter sido parcialmente conquistada, e sete tribos ainda não terem ainda recebido sua herança.

Eis o que Josué disse: “Até quando vocês vão negligenciar a posse da terra que o Senhor, o Deus dos seus antepassados, lhes deu?” Notem que a terra já lhes pertencia, porque o Senhor lhes havia dado, mas eles ainda não estavam na posse da herança, e não estavam de posse da herança porque, embora a terra lhes pertencesse, eles deveria lutar, com forte oposição, para tomar posse dela.

A propriedade e a posse ajuda a explicar, também, porque nem sempre recebemos o que pedimos imediatamente, e porque na maioria das vezes temos que lutar para conquistar o que pedimos.

Crer que já recebi

Vamos falar um pouco mais sobre este “Creiam que já o receberam” dito por Jesus. A questão é a seguinte: se eu creio que recebi, qual deve ser o meu comportamento? Se eu creio que recebi, fico feliz e louvo antes mesmo de acontecer. Se eu creio que recebi, não fico surpreso quando recebo, porque eu já sabia que receberia.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.