A fé pode ser aprendida

March 18, 2017

“No dia seguinte, quando estavam saindo de Betânia, Jesus teve fome.Vendo à distância uma figueira com folhas, foi ver se encontraria nela algum fruto. Aproximando-se dela, nada encontrou, a não ser folhas, porque não era tempo de figos. Então lhe disse: “Ninguém mais coma de seu fruto”. E os seus discípulos ouviram-no dizer isso. […] De manhã, ao passarem, viram a figueira seca desde as raízes. Pedro, lembrando-se, disse a Jesus: “Mestre! Vê! A figueira que amaldiçoaste secou!”” Marcos 11:12–14

A maioria dos pregadores da palavra lê o texto da bíblia em busca de verdades secretas. Um pregador consegue ver coisas que passariam desapercebidas a uma pessoa normal, mas ele precisa tomar cuidado, porque, se não o fizer, poderá ver coisas que não estão no texto.

Consideremos este texto sobre a figueira infrutífera, por exemplo. Quando o pregador lê este texto, logo vem à sua mente muitos outros que falam sobre frutos nas escrituras, com base no que ele deduz que aqui, como nos outros textos, a figueira sem frutos também simboliza pessoas. E não é raro ouvirmos sermões sobre a maldição que paira sobre os discípulos que não dão frutos.

Havendo ou não simbologia por trás da maldição da figueira, uma coisa é certa: é óbvio que Jesus tinha algum ensinamento em mente, quando a amaldiçoou por não dar figos.

Se ainda fosse o tempo dos figos, a ação de Jesus até que se justificaria [e a analogia ficaria mais clara], mas ele estava cobrando daquela figueira algo que ele não encontraria em nenhuma outra, porque não era o tempo dos figos. Ou seja, aquela figueira não merecia ser amaldiçoada, mais do que qualquer outra.

Embora o texto associe a maldição da figueira com a fome de Jesus, a verdade é que tampouco foi por esse motivo que a figueira foi amaldiçoada. Pense comigo: você acha que, se Jesus estivesse passando por ali sozinho, por mais fome que tivesse, e mesmo que fosse o tempo dos figos, a figueira teria sido amaldiçoada?

É óbvio que não. Jesus não era governado pelo estômago e já tinha passado quarenta dias e quarenta noites sem comer. Como ele mesmo disse: nem só de pão viverá o homem!

Então porque a figueira foi amaldiçoada? Digamos que a figueira deu azar por Jesus estar passando por ali acompanhado. A presença dos discípulos é um detalhe importante no contexto da história, porque tudo o que aconteceu com a figueira, aconteceu por causa deles; aconteceu para que Jesus pudesse lhe ensinar uma lição. Por esta razão o escritor escreve: “e os seus discípulos ouviram-no dizer isso”.

A presença dos discípulos, ou melhor, a lição que Jesus queria lhes ensinar, era o verdadeiro motivo por trás da maldição da figueira. Mas será que o objetivo de Jesus, ao secar a figueira, era realmente ensinar sobre a necessidade de dar frutos?

O evangelista Marcos coloca o episódio da purificação do templo logo após este episódio da maldição da figueira. A partir deste fato,a maioria dos comentaristas bíblicos deduzem que existe uma relação entre os dois acontecimentos. Ou seja, a figueira sem frutos representa os judeus.

No entanto, afora o arranjo que Marcos faz dos acontecimentos [e que difere dos demais evangelhos], não há outra razão para associar uma coisa com a outra. Não existe no texto nada que comprove esta teoria, muito pelo contrário. Quando Jesus teve a oportunidade de explicar o que aconteceu à figueira, ele não disse nenhuma palavra sobre frutos, o que seria de se esperar, se esta fosse a sua intenção.

Se o objetivo de Jesus fosse ensinar sobre frutos, quando Pedro lhe apontou a figueira seca, Jesus deveria ter dito algo do tipo: “É isso o que acontece com todo aquele que não frutifica.” Seria um ensino válido, mas não é o que Jesus queria ensinar, logo não foi com esse propósito que a figueira foi seca.

Se, quando teve a oportunidade, Jesus usou o episódio da figueira para ensinar sobre a importância da fé em Deus, é obvio que, desde o começo, este era o seu objetivo, e foi com este propósito que ele secou a figueira.

Sendo assim, o fato de tratar-se de uma figueira sem frutos não tem qualquer relação com o ensino de Jesus. Poderia ser uma figueira com frutos, ou poderia até mesmo ser um monte, que daria no mesmo.

Sim, porque o método de ensino de Jesus era o de demonstrar primeiro na prática, para depois ensinar a teoria. E não é este o melhor tipo de ensino? Cative a atenção do discípulo com o efeito UAU!, e ele vai prestar toda atenção no que você tem a dizer.

Imagine a reação dos discípulos ao verem a figueira seca desde as raízes. Pedro disse a Jesus: “Mestre! Vê! A figueira que amaldiçoaste secou!”. “Isso não é nada, Pedro. Que tal conversarmos sobre mover montes?

Consta que eles ficaram espantados quando viram a figueira seca — se fosse hoje, teriam tirado selfies — , porque consideraram aquilo incrível. Por sinal, “incrível” significa não crível, algo difícil de acreditar. O tipo de coisa que você tem que ver com os seus olhos, porque não acreditaria se alguém contasse.

Mas Jesus era assim, ele fazia coisas difíceis de acreditar, coisas que contrariam a ciência — por isso existem os ateus.

O fato dos discípulos terem ficado surpresos mostra que eles não estavam esperando que aquilo acontecesse; não estavam esperando qualquer resultado prático decorrente da maldição de Jesus. Notem como o ceticismo estava impregnado neles!

E por que? Porque viviam em um mundo onde as palavras não tem valor. Se vivessem em um mundo onde as palavras tem poder — o Reino de Deus — , eles teriam ficado perplexos não pela figueira secar, mas por ela não secar.

Eles passariam, veriam a figueira ainda verde e Pedro diria: “Mestre! Vê! A figueira que amaldiçoaste não secou!” Então os demais discípulos se aproximariam espantados, para ver de perto a figueira desobediente, que ousou desobedecer a palavra e Jesus.

É o tipo de coisa que seria incrível para eles, porque viveriam em um mundo diferente; pertenceriam a uma cultura diferente. Este era o mundo de Jesus, esta era a nova cultura do Reino; uma cultura onde as palavras tem valor — e mais do que valor, autoridade — , onde o sim é sim e o não é não.

Havia, portanto, um evidente choque de culturas ali, de um lado a cultura do mundo, do outro a cultura do Reino. O próprio Jesus rotulou a geração dos discípulos de uma geração perversa e incrédula.

Por esta razão, o ensino de Jesus sobre a fé era tão pertinente e necessário, que sobrou para a pobre figueira ser seca. Se o que aconteceu à figueira não fosse o suficiente, não seria de espantar se o próprio Monte das Oliveiras fosse hoje uma ilha no meio do Mar Morto.

Jesus teria feito o que fosse necessário, para expurgar a influência negativa daquela geração incrédula sobre os discípulos, e para impregná-los com a cultura do Reino.

Se aquela era uma geração incrédula, eu temo que de lá para cá as coisas só tenham piorado. O meu temor é que existam igrejas inteiras incrédulas, totalmente incapazes de mover um grão de areia do lugar. Que dirá secar figueiras, ou mover montes, ou curar enfermos ou libertar pecadores!

Por esta razão, eu penso que o ensino da figueira seja tão pertinente nos dias atuais. Não com vista ao conhecimento, mas com vista à prática. E se Jesus nos ensinou sobre a fé, é porque obviamente a fé pode ser aprendida.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.