A quem devemos ajudar?

September 16, 2016

Quando os meus pais eram missionários na Argentina, nós voltávamos ao Brasil uma vez por ano. Como não tínhamos condição financeira para pagar um hotel, nós fazíamos a viagem de dois mil e quatrocentos quilômetros sem parar para dormir. Em uma dessa viagens, o nosso carro teve um problema mecânico na cidade de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.

Por sorte, o morador da casa em frente veio ajudar o meu pai. Enquanto eles tentavam consertar o carro, a esposa daquele homem nos levou (a mim, minha mãe e meus irmãos) para dentro da casa deles, e preparou algo para comermos. (Eu era criança na época, então o que mais me lembro é que eles tinham uma luva de boxe, e eu e meus irmãos ficamos brincando com ela).

Meu pai não conseguiu consertar o carro naquele dia. Como já era tarde, eles nos ofereceram um lugar para dormir. No dia seguinte, ele levou o meu pai para comprar as peças do carro e o ajudou com o conserto. Tomamos o café da manhã, e prosseguimos viagem.

Nunca mais vimos aquela família de novo, mas até hoje nos lembramos desse episódio. Aquela família não nos conhecia, não era da mesma religião que a nossa, mas isso não os impediu de ter compaixão de nós. Ele agiram para conosco mais ou menos como o bom samaritano agiu com o judeu ferido que encontrou pelo caminho.

E é sobre esta parábola do bom samaritano, que eu gostaria de falar neste sermão.

O assunto que eu pretendo abordar é, principalmente, sobre a quem devemos ajudar no nosso dia-a-dia. Este é um assunto importante, porque todas as pessoas de bem desejam ajudar alguém, mas sabem que não podem ajudar a todos os que gostariam de ajudar, porque possuem recursos limitados.

Então a grande questão é: já que não dá pra ajudar todo mundo, a quem devemos ajudar? A resposta mais óbvia, mais bíblica e mais verdadeira para esta pergunta é a seguinte: devemos ajudar o nosso próximo.

Mas quem é o nosso próximo? Esta é uma questão que poderia dar muito pano pra manga, mas, graças a Deus, a Bíblia dá uma resposta para ela, graças a um certo mestre da Lei que foi até Jesus para lhe fazer precisamente esta pergunta, e a resposta de Jesus foi a parábola do bom samaritano.

O mestre da Lei já tinha uma opinião formada, porque para os judeus o próximo era apenas os familiares e os outros judeus. Um inimigo ou um estrangeiro, por exemplo, jamais seria o “próximo” a quem devemos amar (cf. Mt 5.43).

Segundo este conceito do “próximo”, se eles encontrassem um samaritano, por exemplo, ferido por assaltantes, caído no caminho, eles não tinham qualquer compromisso de ajudar, porque o amor ao próximo não se aplicava neste caso. Jesus, então, inverte este ponto de vista, colocando um judeu no papel do homem precisando de ajuda.

E se um judeu precisasse de ajuda? E se os da sua própria raça e religião não o ajudassem? E se ele fosse ajudado por um estrangeiro de outra religião? Você ainda insistiria no seu conceito de “próximo”? Você ainda insistiria na tese de que o próximo é alguém da sua mesma religião ou raça? Quem você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?

Diante de uma situação prática como aquela, o mestre da Lei não teve outra alternativa a não ser concordar que o samaritano foi o próximo do judeu ferido. Se lembrarmos que toda a história do bom samaritano foi uma resposta para a questão de quem é o nosso próximo, a resposta de Jesus pode ser lida nas entrelinhas. Ora, se um judeu pode ser o próximo de um estrangeiro, então porque um estrangeiro não pode ser o próximo de um judeu?

Incrível, não? Uma verdadeira aula de como destruir um falso conceito, ou melhor, um preconceito.

Segundo a resposta de Jesus, o nosso próximo é qualquer pessoa que atravessa o nosso caminho precisando de ajuda, quer seja conhecido ou desconhecido, e independentemente de religião ou raça.

Jesus utilizou a técnica da empatia, que consiste em imaginar alguém por quem você tem simpatia, no lugar de algum desconhecido. É a mesma técnica usada pelo advogado Jake (Matthew McConaughey), no filme “Tempo de Matar”, que aborda o estupro de uma garota negra, por dois homens brancos. Ao final do longa, Jake se dirige a um júri composto apenas por pessoas brancas. Ele pede aos jurados para que imaginem, sem deixar de fora nenhum detalhe terrível, os horrores que os estupradores infligiram na pobre garota. “Agora, imaginem que a garota é branca”, conclui.

Em geral, temos dificuldade de nos compadecer das pessoas quem não conhecemos, ou por quem não nutrimos nenhum tipo de empatia. Sabendo disso, Jesus nos ensina a imaginar alguém por quem sentimos empatia no lugar do necessitado. Jesus faz mais do que isto, na verdade. Ele diz que devemos imaginar que é ele, no lugar no necessitado. É ele embaixo da ponte. É ele passando fome. É ele preso nas ferragens daquele veículo.

“Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram.”

O bom samaritano teria entendido errado o mandamento do amor ao próximo, se deduzisse que o seu “próximo” eram todos os feridos do mundo, ou todos os judeus do mundo.

Suponha que o bom samaritano, feliz com a sua boa ação, decidisse dedicar a sua vida ao cuidado dos flagelados e excluídos. Seria, sem dúvida, uma atitude muito nobre da sua parte, mas ele não poderia fazer isto em detrimento do seu próximo. O mandamento de Jesus não é para salvar o mundo, é para ajudar o próximo, logo, o próximo vem em primeiro lugar.

Se o nosso próximo é aquele que cruza o nosso caminho, o mais provável, na prática, é que os necessitados que cruzam o nosso caminho no dia-a-dia sejam nossos conhecidos. É uma questão de probabilidade. Quais são as chances de você encontrar um estrangeiro caído à beira do caminho? Quais são as chances do seu inimigo vir até você, procurando ajuda?

O que eu quero dizer é que não adianta você querer acabar com a fome na áfrica, se tiver alguém da sua família passando por necessidade, porque, segundo a bíblia, “se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente.” De igual forma, não adianta você querer ajudar os flagelados do mundo inteiro, se tiver alguém na sua igreja passando necessidade, porque, segundo a bíblia, “devemos fazer o bem a todos, especialmente aos da família da fé”.

Não é bairrismo; é uma questão de probabilidade, porque o nosso próximo está onde nós estamos. Se nós estivermos na igreja, ali encontraremos o nosso próximo. Se o nosso próximo não está na igreja, talvez seja porque nós e os nossos irmãos da igreja não sejamos lá muito próximos. E por que? Porque em geral vamos à “igreja” para assistir ao culto, não para conhecer as necessidades dos nossos irmãos. Muitas vezes, não sabemos nem o nome da pessoa que se senta ao nosso lado. Quando o culto termina, mal o cumprimentamos. Se conversamos com ele, é uma conversa superficial.

Não pode ser assim. O apóstolo Tiago escreveu que a religião que Deus aceita como pura e imaculada é cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades. Os cristãos primitivos levavam a sério a assistência aos necessitados. Eles vendiam o que tinham, para sustento dos que não tinham. Que diferença para os cristãos dos dias atuais, cuja conceito de cristianismo se resume em ir à “igreja” aos domingos. Se a religião que Deus aceita é ajudar os necessitados, o resto não passa de uma falsa religião; um auto-engano.

A igreja foi criada —por Jesus, diga-se de passagem — com o propósito da ajuda ao próximo. A igreja deve ser uma comunidade de pessoas, onde o amor ao próximo deve ser colocado em prática. O propósito de fazermos parte da igreja é o de ajudar e sermos ajudado, ministrar e sermos ministrados. O apóstolo Paulo compara a igreja a um corpo, do qual somos uns dos membros e onde cada um temos uma função; e uma das principais características deste corpo é que, quando um membro sofre, todos devem sofrer com ele.

“Na minha igreja ninguém precisa de ajuda”, alguém poderia dizer. “Então eu acho que a igreja deveria ajudar os de fora, ou seja, deveria prestar assistência aos necessitados da comunidade onde está inserida. Deste modo a igreja seria socialmente mais relevante.” Este discurso pode parecer eloquente, mas é enganoso. O que eu quero dizer é que se na sua igreja ninguém precisa de ajuda, tem algo de muito errado com a sua igreja. Que tipo de igreja é essa, que não tem pobres?

Este discurso assistencialista representa a teologia que vem sendo pregada no púlpito de muitas igrejas elitizadas. Estas igrejas tem ótimos programas assistenciais para os de fora, mas quase não tem pobres dentro delas. O pretexto é que devemos ajudar sem pregar, mas a verdade é que essas igrejas elitizadas preferem ajudar os pobres do lado de fora, porque não os querem do lado de dentro. É apenas uma forma de esconder o preconceito e aliviar a consciência; não de viver o evangelho de Cristo.

“Não façam diferença entre as pessoas, tratando-as com parcialidade”, disse o apóstolo Tiago. “Suponham que na reunião de vocês entre um homem com anel de ouro e roupas finas, e também entre um pobre com roupas velhas e sujas. Se vocês derem atenção especial ao homem que está vestido com roupas finas e disserem: “Aqui está um lugar apropriado para o senhor”, mas disserem ao pobre: “Você, fique em pé ali”, ou: “Sente-se no chão, junto ao estrado onde ponho os meus pés”, não estarão fazendo discriminação, fazendo julgamentos com critérios errados?”

“Não escolheu Deus os que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos em fé e herdarem o Reino que ele prometeu aos que o amam? Mas vocês têm desprezado o pobre.”

Uma igreja que não tem pobres é uma igreja que deliberadamente exclui os pobres; é uma igreja que constrói a sua liturgia para agradar as elites. Isto precisa mudar. O evangelho deve ser pregado aos pobres, em primeiro lugar; devemos abrir o templo para eles; devemos voltar a nossa liturgia para os excluídos; devemos acolhe-los e ajudá-los da forma que for necessária…

Mas devemos ajudá-los do lado de dentro.


Voltando à parábola, precisamos lembrar que Jesus estava falando com um mestre da Lei, um profundo conhecedor das escrituras. Este homem foi até onde Jesus estava, não sabemos se porque realmente desejava a salvação — o que não parece ser o caso — , ou se porque queria apenas fazer um debate teológico.

Se o seu interesse foi apenas o debate, ele acabou levando mais do que foi buscar, porque quando ele [o mestre da Lei] reconheceu que o próximo do homem ferido foi aquele que o ajudou, Jesus lhe disse: “Vá e faça o mesmo”. O que Jesus queria dizer era o seguinte: “Agora que você concordou comigo, ajude você também o seu próximo. Ajude você também o seu inimigo. Ajude você também o estrangeiro. Ajude você também os necessitados que encontrar pelo caminho.”

Este “vá e faça o mesmo” é o verdadeiro objetivo da parábola. Jesus não teria perdido tempo apenas com um debate teológico, sobre quem é o nosso próximo. Se o seu objetivo fosse teológico, ele não estaria nas ruas; estaria no templo, estaria nos seminários. Mas ele não estava. Ele estava vivendo o amor ao próximo no dia-a-dia, ao contrário dos mestres da Lei, tão excelentes no conhecimento, mas precários em praticar o que pregavam.

“Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles [os mestres da Lei] lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los.”

Este “vá e faça o mesmo” é constrangedor. É como se Jesus dissesse: “Vamos parar de debater sobre ajudar o próximo, e vamos começar a ajudá-lo de fato.” O problema é que, conforme o apóstolo Paulo escreveu a Timóteo, “alguns se desviaram dessas coisas [do amor prático], voltando-se para discussões inúteis, querendo ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que dizem nem as coisas acerca das quais fazem afirmações tão categóricas.”

Desculpem-me os que adoram debater sobre o papel da igreja na sociedade, mas este não é um sermão sobre como a igreja deveria agir. É sobre como cada um de nós deveria “ir e fazer o mesmo”, porque se cada um de nós estivesse preocupado em ir e fazer o mesmo, mais do que em debates teológicos ou políticos ou político-teológicos, a igreja e o mundo seriam um lugar bem melhor.

Por esta razão, se você me acompanhou até aqui, eu gostaria de compartilhar com você alguns conselhos práticos, com base em tudo o que abordamos.

O que vem a seguir é o “vá e faça o mesmo” deste sermão:

Preocupe-se com você, e não com a igreja. Se você está tão incomodado com a falta de assistência aos necessitados dentro da sua igreja, é provável que este seja o seu chamado. Se o Senhor está incomodando você em primeiro lugar, talvez o serviço assistencial deva começar por você. Siga o método de Jesus: que o seu exemplo fala mais alto do que a sua teologia.

Conheça bem o seu irmão. Não aceite que o seu cristianismo se resuma em ir na igreja aos domingos. Reúna-se com os irmãos da igreja durante a semana, tenha intimidade com eles, porque a igreja deve ser a sua segunda família. Converse com o seu irmão, seja sensível às suas necessidades. Pare de querer estar com as pessoas com as quais você se identifica, e preocupe-se em estar com as pessoas que precisam de você.

Mobilize as pessoas para ajudar os necessitados. Juntem-se a outras pessoas que pense igual a você, na sua igreja, e desenvolva ações de acolhimento e assistência aos necessitados que houver onde você congrega.

Use e abuse da técnica da empatia. Imagine sempre que é Jesus no lugar do necessitado, porque isto ajudará você a ter empatia por um desconhecido. Lembre-se de que, como bem lembrou o apóstolo Paulo, “alguns sem saber hospedaram anjos.” Lembre-se também que no juízo final nós seremos julgados com base no amor ao próximo.

Se você ajudar alguém, não poste no Facebook. “Quando você der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados pelos outros. Eu lhes garanto que eles já receberam sua plena recompensa. Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita, de forma que você preste a sua ajuda em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará”.

Ajude os que precisam, não os que merecem. Se em uma casa tem um marmanjo bêbado que não quer trabalhar, mas tem crianças passando por necessidades, ajude por causa das crianças, porque elas não tem culpa de ter o pai que têm. Agora se o marmanjo está sozinho, não ajude. Se alguém pode, mas não quer trabalhar, não deve ser ajudado. Como disse o apóstolo Paulo: “se alguém não quiser trabalhar, também não coma.”

Não ajude apenas com as suas sobras. Se você está ajudando com as suas sobras, você está fazendo do jeito errado. Não se esqueça que o mandamento do amor ao próximo envolve, também, amá-lo como a nós mesmos. “Como a nós mesmos” significa amá-lo na mesma proporção. Ou seja, devemos colocar a mão no bolso. Devemos vender o que temos, se for necessário, para ajudar os necessitados.

Por último, o mais importante. Mesmo que você participe de muitos projetos sociais, na sua igreja ou fora dela, no fim das contas o seu próximo são todas as pessoas que cruzam o seu caminho no dia-a-dia. O que eu quero dizer é que se algum dia você ver um carro quebrado na frente da sua casa, com uma família dentro, procure ajudar, porque, no fim das contas, o seu próximo são eles.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.