Por que julgamos o sofrimento alheio?

May 7, 2016

Sempre que alguma tragédia acontece, ou quando vemos alguém sofrendo, tendemos a emitir algum juízo de valor sobre a questão, especialmente se formos cristãos. Ninguém escapa ao nosso juízo, nem mesmo o próprio Jesus escaparia…

O profeta Isaías escreveu que Jesus tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças; e nós o consideramos castigado por Deus. Ou seja, nós o julgamos merecedor de todo aquele sofrimento. Logo ele, que nunca tinha cometido pecado! Veja a que ponto podemos nos equivocar em nosso juízo.

Os judeus tendiam a julgar o sofrimento alheio, como se a pessoa que sofre, de alguma forma, tivesse dado causa ao próprio sofrimento, e eles tinham uma boa razão para fazê-lo: a própria lei de Deus, que prescrevia uma série de castigos para o pecado, sendo a morte o mais grave deles.

Quando alguém morria tragicamente, eles viam o juízo de Deus acontecendo, como se aquelas pessoas tivessem feito algo muito grave para merecer aquilo. Nos tempos de Jesus, por exemplo, uma torre caiu e matou dezoito pessoas. Uma tragédia! E os judeus pensaram tratar-se de castigo de Deus.

Esta é uma forma simplista, de olhar para o sofrimento. Pode parecer bíblica, mas destoa totalmente da visão do próprio Jesus, que não se furtou de abordar a questão.

“Vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu lhes digo que não! Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão.”

Há dois pontos a serem considerados na resposta de Jesus:

1. O primeiro é que aqueles dezoito homens não era piores do que ninguém. O que aconteceu com eles, poderia ter acontecido com qualquer um. Não aconteceu por serem eles mais culpados, ou mais pecadores do que os outros habitantes de Jerusalém.

Eles estavam no lugar errado na hora errada. Tragédias como essa acontecem o tempo todo. Quando cai um avião, por exemplo, os cristãos morrem na mesmo proporção que os não cristãos. Quando um terremoto acontece, todos sofremos indistintamente. Há história de pessoas que se salvaram milagrosamente, mas também há outras de bons homens de Deus que se foram.

2. O segundo ponto é que os dezoito homens que morreram não eram inocentes de pecado. Eles não eram mais culpados que os demais, mas eram tão culpados quanto. Perante a lei de Deus, não existem pessoas melhores ou piores, não existem pessoas que mereçam sofrer mais ou menos. Somos todos pecadores, e merecemos o mesmo: a morte.

O que Jesus quis dizer, em sua resposta, foi mais ou menos o seguinte: “Os dezoito que morreram não eram mais culpados do que vocês, como vocês julgam. Parem de se colocar em uma posição superior, como se vocês merecem coisa diferente. Pelo contrário, vocês também merecem a morte, tanto quanto eles. Se vocês não se arrependerem, todos vocês também perecerão.”

Este é o ponto: O homem mais justo da terra é tão merecedor da morte, quanto o mais pecador. Pensem em Jó — o homem mais justo do seu tempo — e pensem em tudo o que ele sofreu. A bem da verdade, mais do que ver pessoas boas sofrendo, o que nos incomoda, mesmo, é ver pessoas piores em situações melhores. O próprio Jó se queixou da prosperidade dos ímpios. Não conseguimos entender porque existem pessoas boas com câncer, enquanto existem estupradores vendendo saúde. É revoltante!

Este tipo de raciocínio parte da premissa errada de que merecemos algo da parte de Deus. O que precisamos entender é que, da parte de Deus ninguém merece nada a não ser a morte. O fato de ainda respirarmos é por pura misericórdia de Deus. E não se pode falar em injustiça, na forma como Deus distribui a sua graça, porque graça é, por definição, um favor imerecido.

Jesus contou a parábola de um proprietário que contratou trabalhadores para a sua vinha. Ele contratou alguns logo pela manhã, com o compromisso de lhes pagar um denário pelo dia de trabalho, e contratou outros por volta das cinco horas da tarde. Ao cair da tarde, o dono da vinha disse a seu administrador: ‘Chame os trabalhadores e pague-lhes o salário, começando com os últimos contratados e terminando nos primeiros’.

Vieram os trabalhadores contratados por volta das cinco horas da tarde, e cada um recebeu um denário. Quando vieram os que tinham sido contratados primeiro, esperavam receber mais. Mas cada um deles também recebeu um denário. Quando o receberam, começaram a se queixar do proprietário da vinha, dizendo-lhe: ‘Estes homens contratados por último trabalharam apenas uma hora, e o senhor os igualou a nós, que suportamos o peso do trabalho e o calor do dia’.

Mas ele respondeu a um deles: ‘Amigo, não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um denário? Receba o que é seu e vá. Eu quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que lhe dei. Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro?

Esta parábola passa uma mensagem chocante, a respeito da graça de Deus, porque vai contra todo o nosso senso de meritocracia. Quando questionamos a Deus porque os justos sofrem, enquanto os maus prosperam, estamos sendo como os trabalhadores contratados pela manhã. Estamos julgando não é a justiça de Deus, mas a distribuição da sua graça.

O que o Senhor nos diz, por meio da parábola, é o seguinte: ‘Amigo, não estou sendo injusto com você. Você merece a morte, mas está vivo. Agradeça por isso! Por que você me julga por ser mais generoso com o outro? Não tenho o direito de fazer o que quero com a minha graça?’

Somos muito petulantes. Queremos escolher as pessoas que o Senhor deve abençoar, ou melhor, queremos dosificar a graça de acordo com os méritos; mas então não seria graça.

A verdade é que ninguém tem o direito de abrir a boca, para emitir qualquer tido de juízo a respeito de Deus. Segundo o apóstolo Paulo, a Lei veio para condenar a todos nós, para que toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus. Você entende? Nós é que estamos sob o juízo de Deus, e não o contrário.

Deus fez as coisas desta forma, “para que toda boca se cale”. Ou seja, para que todo argumento caia por terra; e para que todo falatório cesse. E nós continuamos tagarelando! Temos uma tendência irresistível de emitir juízo de valor sobre coisas que não entendemos plenamente.

Esta falta de temor, denota a nossa falta de conhecimento de Deus. Mais do que isto, mostra que ainda não tivemos um encontro com ele. O próprio Jó reconheceu que falou demais, quando se considerou um injustiçado diante de Deus. Ele disse:

“Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber.” “Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por isso menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza”.

Nós também pecamos quando emitimos juízo de valor contra Deus, falando de coisas que não conseguimos entender plenamente. A exemplo de Jó, o arrependimento nos cairia muito bem. Mas não, nós continuamos tagarelando, e tagarelando…

O que eu acho interessante, na história de Jó, é que ele pecou por se considerar inocente, enquanto seus amigos pecaram por considerá-lo culpado. Eles julgaram que Jó tinha cometido algum pecado grave, para merecer aquele castigo. Ou seja, ele se consideraram melhores do que Jó.

Se o juízo de Deus fosse pelas obras, como eles pregavam, então eles deveriam estar no lugar de Jó, porque eram piores do que ele. O próprio Deus dera testemunho de que Jó era o homem mais justo da sua geração.

Este é o mal em julgarmos o sofrimento alheio. Quando julgamos desta forma, nos colocamos na posição de juízes, com uma pequena diferença: nossa sentença não condena a outra parte, condena a nós mesmos. Em geral, nós é que deveríamos estar no lugar da outra pessoa.


Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.